COVID-19 e educação superior: dos efeitos imediatos ao dia seguinte; análises de impactos, respostas políticas e recomendações
programme and meeting document
Corporate author
- UNESCO International Institute for Higher Education in Latin America and the Caribbean
- UNESCO Office in Brasilia
Collation
- 48 pages
Language
- Portuguese
Year of publication
- 2020
Licence type
COVID-19 e educação superior: dos efeitos imediatos ao dia seguinte Análises de impactos, respostas políticas e recomendações 13 de maio de 2020Publicado em 2020 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 7, place de Fontenoy, 75352 Paris 07 SP, França, pelo Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe e pela Representação da UNESCO no Brasil. © UNESCO 2020 Esta publicação está disponível em acesso livre ao abrigo da licença Attribution-ShareAlike 3.0 IGO (CC-BY-SA 3.0 IGO) (http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/igo/). Ao utilizar o conteúdo da presente publicação, os usuários aceitam os termos de uso do Repositório UNESCO de acesso livre (www.unesco.org/open-access/ terms-use-ccbysa-port). Título original: COVID-19 y educación superior: de los efectos inmediatos al día después; análisis de impactos, respuestas políticas y recomendaciones. Publicado em 2020 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e pelo Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe (UNESCO-IESALC), As indicações de nomes e a apresentação do material ao longo deste livro não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCO a respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites. Coordenação técnica da Representação da UNESCO no Brasil: Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do Setor de Educação Tradução: Tikinet Revisão técnica: Setor de Educação da Representação da UNESCO no Brasil Revisão editorial e diagramação: Unidade de Publicações da Representação da UNESCO no Brasil Esclarecimento: a UNESCO mantém, no cerne de suas prioridades, a promoção da igualdade de gênero, em todas as suas atividades e ações. Devido à especificidade da língua portuguesa, adotam-se, nesta publicação, os termos no gênero masculino, para facilitar a leitura, considerando as inúmeras menções ao longo do texto. Assim, embora alguns termos sejam escritos no masculino, eles referem-se igualmente ao gênero feminino.3 Agradecimentos Este relatório foi produzido pela equipe técnica do UNESCO-IESALC. O processo foi dirigido por Francesc Pedró, que concebeu o relatório e coordenou a sua elaboração com a participação de José Antonio Quinteiro, Débora Ramos e Sara Maneiro. As sucessivas versões do relatório contaram com valiosas contribuições. A equipe do UNESCO-IESALC gostaria de expressar a sua gratidão aos membros do seu Conselho Governamental, que realizaram importantes aportes: Luis Bonilla-Molina (Venezuela), Ligia Amada Melo de Cardona (República Dominicana) e Rutilia Calderón (Honduras). Em segundo lugar, agradecemos também aos seguintes colegas da UNESCO por seus comentários: Lidia Arthur Brito, diretora do Escritório Regional de Ciência da UNESCO para a América Latina e Caribe; David Atchoarena, diretor do Instituto da UNESCO para a Aprendizagem ao Longo da Vida (UNESCO-UIL); Saba Bokhari, especialista em programas no Escritório Regional de Nairóbi (Quênia); Borhene Chakroun, diretor da Divisão de Políticas e Sistemas para Aprendizagem ao Longo da Vida; Vibeke Jensen, diretora da Divisão de Educação para o Desenvolvimento Sustentável; Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do Setor de Educação e as especialistas Mariana Braga Alves Sousa e Aline Vieira do Escritório da UNESCO em Brasília (Brasil); Paz Portales e Akemi Yonemura, especialistas de programa da Seção de Educação Superior da UNESCO; Claudia Uribe Salazar, diretora do Escritório Regional de Educação da UNESCO para América Latina e Caribe (UNESCO-OREALC); e Peter Wells, chefe da Seção de Educação Superior da UNESCO. Também recebeu importantes contribuições de José Joaquin Brunner, diretor da Cátedra UNESCO de Políticas Comparadas de Educação Superior da Universidade Diego Portales, no Chile; Daniel Mato, diretor da Cátedra UNESCO de Educação Superior e Povos Indígenas e Afrodescendentes na América Latina na Universidade Nacional Três de Fevereiro, na Argentina; e Norberto Fernández Lamarra, diretor da Cátedra UNESCO de Educação e Futuro na América Latina na Universidade Nacional Três de Fevereiro; além de Cristian Pérez Centeno e Marisa Álvarez e Pablo García, membros de sua equipe. Finalmente, o relatório foi revisado e concluído por renomados especialistas em políticas públicas do ensino superior: Elena Arias Ortiz, especialista sênior na Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); Aliandra Barlete, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Cambridge, no Reino Unido; Ana Capilla Casco, coordenadora de Educação Superior, ETP e Ciência da Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI); Jorge Calero, catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona, Espanha; Juan Carlos Del Bello, reitor da Universidade Nacional de Rio Negro (Argentina); Marcelo Di Stefano, secretário executivo da Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Universidades das Américas (CONTUA); Félix Garcia Lausin, coordenador do Espaço Ibero-americano do Conhecimento da Secretaria Geral Ibero-americana (SEGIB); Margarita Guarello, diretora de Educação Continuada da Pontíficia Universidade Católica do Chile; Francisco J. Marmolejo, conselheiro de Educação da Fundação Qatar (Qatar); Axel Rivas, diretor da Escola de Educação da Universidade de Santo André, na Argentina; e Josep M. Vilalta, diretor da Global University Network for Innovation (GUNi). O UNESCO-IESALC reconhece sua dívida para com todas essas pessoas e suas instituições. Nas circunstâncias atuais, em que tantas variáveis ainda precisam ser definidas, este documento deve ser considerado em estado de desenvolvimento permanente. O UNESCO-IESALC atualizará este documento para incluir as ideias e iniciativas que forem surgindo gradualmente, para promover, dessa forma, o compartilhamento do conhecimento e a cooperação internacional.4 Lista de gráficos Gráfico 1. Estimativa do número acumulado de estudantes (ISCED 5, 6, 7 e 8) e professores afetados pela suspensão das aulas presenciais durante o mês de março de 2020 na América Latina e no Caribe (em milhares) .................................................................12 Gráfico 2. As principais dificuldades dos estudantes da educação superior durante a pandemia, segundo as Cátedras UNESCO .................................................................14 Gráfico 3. A opinião dos coordenadores das Cátedras UNESCO sobre o caso de o pagamento de taxas estar ou não acontecendo .........................................................17 Gráfico 4. Percentual de domicílios com conexão à internet por região (2018) .....................................18 Gráfico 5. Percentual de domicílios com conexão à internet e linhas móveis por 100 habitantes em uma amostra de países da América Latina e Caribe (2018) ...............................19 Gráfico 6. Percentual de estudantes da educação superior no Brasil, de acordo com a provisão de ensino à distância de sua instituição, em 24 de abril de 2020 ..................................35 Gráfico 7. Marco de ação para a saída da crise: fases e prioridades .......................................................435 Sumário Prefácio de Stefania Giannini, diretora-geral adjunta de Educação da UNESCO ................ 7 Resumo executivo .....................................................................................................9 Introdução .............................................................................................................. 12 1. Impactos previsíveis de curto, médio e longo prazo ............................................. 13 A. Estudantes .............................................................................................................................................13 Vida diária e equilíbrio pessoal ...............................................................................................................................15 Custos e encargos financeiros .................................................................................................................................15 Perspectivas de emprego para recém-formados ....................................................................................................17 A substituição das aulas presenciais .......................................................................................................................18 Mobilidade internacional ........................................................................................................................................20 B. Docentes ................................................................................................................................................23 C. Equipe não docente ..............................................................................................................................25 D. Instituições de ensino superior .............................................................................................................25 E. O sistema ...............................................................................................................................................26 O comportamento da demanda ..............................................................................................................................26 O comportamento da oferta ...................................................................................................................................27 A governança do sistema ........................................................................................................................................28 2. Políticas públicas e respostas institucionais ......................................................... 29 A. Políticas públicas ...................................................................................................................................29 Medidas administrativas ........................................................................................................................................30 Recursos financeiros ...............................................................................................................................................30 Apoio à continuidade da formação .........................................................................................................................31 B. Respostas institucionais ........................................................................................................................32 Frente sanitária .......................................................................................................................................................33 Ajustes de calendários .............................................................................................................................................34 A contribuição da P&D ............................................................................................................................................34 Continuidade das atividades de formação ..............................................................................................................35 Apoio a recursos bibliográficos e tecnológicos .......................................................................................................37 Apoio socioemocional .............................................................................................................................................38 Programas de educação continuada ......................................................................................................................38 3. Estratégia de saída da crise: preparar-se para o dia seguinte ............................... 39 A. Princípios básicos ..................................................................................................................................39 B. Criar um ambiente político propício a uma saída da crise com qualidade e equidade: a responsabilidade dos Estados ...............................................................40 1. Contar com a educação superior nos planos de estímulo à recuperação econômica e social .........................40 2. Construir um consenso nacional para uma estratégia de fomento da recuperação e inovação na educação superior .............................................................................40 3. Dispor de um marco regulatório claro e que produza segurança na reabertura das instituições e comunicar adequadamente para proporcionar essa segurança ................................................41 4. Comprometer-se com a cooperação internacional ...........................................................................................426 C. Marco de ação para o dia seguinte: estratégias e medidas recomendadas no âmbito institucional .................................................................................42 1. Da continuidade à reabertura ............................................................................................................................44 Concentrar os esforços para assegurar a continuidade do processo de formação e garantir a equidade; criar mecanismos eficientes de gestão, monitoramento e apoio, antecipando uma reabertura tardia .................................................................................................44 Preparar-se para vários cenários alternativos ..............................................................................................44 2. Da reabertura à reestruturação .........................................................................................................................45 Planejar medidas pedagógicas para avaliar de maneira formativa e produzir mecanismos de apoio à aprendizagem de estudantes em desvantagens ...................................................45 Documentar, refletir, generalizar ..................................................................................................................46 Referências ............................................................................................................. 487 Prefácio de Stefania Giannini, diretora-geral adjunta de Educação da UNESCO Para sermos francos, devemos reconhecer que não estávamos preparados para uma ruptura em tamanha escala. Quase da noite para o dia, escolas e universidades de todo o mundo fecharam suas portas, afetando 1,57 bilhão de estudantes em 191 países. Essa situação sem precedentes tem consequências em cascata na vida dos estudantes, estejam eles estudando no exterior ou em seu próprio país. Os fechamentos, como uma medida para conter a pandemia da COVID-19, levaram a uma implantação acelerada de soluções de educação à distância para garantir a continuidade pedagógica. Os obstáculos são múltiplos, desde baixa conectividade e falta de conteúdo online alinhado com os currículos nacionais a professores despreparados para essa “nova normalidade”. Independentemente do nível educacional, os principais perigos são a ampliação das desigualdades na aprendizagem, o aumento da marginalização e a impossibilidade dos estudantes mais em des- vantagem de continuarem seus estudos. A educação superior não é exceção, embora, nesse nível, a tecnologia digital tenha tido maior impacto nas últimas décadas. Como a única agência das Nações Unidas com mandato para a educação superior, nossa Organização está comprometida com a produção de conhecimento que informa os processos de tomada de decisão em âmbitos nacional e institucional. Esse é o valor deste relatório, preparado pelo Instituto Internacional da UNESCO para a Educação Superior na América Latina e no Caribe (UNESCO-IESALC), o único instituto do sistema das Nações Unidas especializado nesse campo. Embora o relatório se concentre principalmente na região da América Latina e do Caribe, as estratégias e os resultados da pesquisa se aplicam de uma forma mais ampla. O relatório destaca o impacto imediato da pandemia na educação superior, principalmente nos estudantes mais vulneráveis. Embora não sejam imediatamente visíveis, esses efeitos sobre a equidade e a qualidade são significativos e surgirão no médio e no longo prazo. Em segundo lugar, o relatório analisa as medidas que foram adotadas pelos governos e pelas instituições de ensino superior (IES) para garantir o direito à educação superior durante a pandemia, além de considerar vários cenários e fazer algumas recomendações sobre a reabertura das instituições, destacando a importância de iniciar os preparativos desde o início. Por último, aborda os desafios do período pós-pandemia sobre como retomar o ensino e a aprendizagem em um contexto dramaticamente diferente. As análises e as recomendações contidas neste relatório destinam-se principalmente a formuladores de políticas, tanto no nível sistêmico como no institucional, para apoiar suas tomadas de decisão a curto, médio e longo prazo. 5 Prólogo, por Stefani Gia nini, Subdir ctora General de Educación de la UNESCO Para ser francos, debemos reconocer que no estábamos preparados para una disrupción a semejante escala. Casi de la noche a la mañana, las escuelas y universidades de todo el undo cerraron sus puertas, afectando a 1.570 millones de estudiantes en 191 países. Esta situación sin precedentes tiene consecuencias en cascada en las vidas de los estudiantes, tanto si están cursando estudios en el extranjero como en su propio país. Los cierres, como medida para contener la pandemia de Covid-19, han llevado a un despliegue acelerado de soluciones de educación a distancia para asegurar la continuidad pedagógica. Los obstáculos son múltiples, desde la baja conectividad y la falta de contenido en línea alineado con los planes de estudio nacionales hasta un profesorado no preparado para esta "nueva normalidad". Independientemente del nivel de educación, el peligro primordial es que las desigualdades en el aprendizaje se amplíen, aumente la marginación y los estudiantes más desfavorecidos se vean imposibilitados de proseguir sus estudios. La educación superior no es una excepción, aunque a este nivel la tecnología digital ha tenido el mayor impacto en las últimas décadas. En su calidad de único organismo de las Naciones Unidas con un mandato en materia de enseñanza superior, nuestra Organización está comprometida con la producción de con cimientos que inf rm n los procesos de adopción de decisiones a nivel nacional e institucional. Este es el valor de este informe, preparado por el Instituto Internacional de la UNESCO para la Educación Superior en América Lati y el Caribe (UNESCO IESALC), el único instituto especializado del sistema de las Naciones Unidas en este ámbito. Si bien el Informe se centra, principalmente, en la región de América Latina y el Caribe, las estrategias y los resultados de las investigaciones se aplican más ampliamente. En el informe se destacan las repercusiones inmediatas de la pandemia en la enseñanza superior, en particular en los estudiantes más vulnerables. Aunque no son visibles de inmediato, esos efectos en la equidad y la calidad son importantes y saldrán a la luz a mediano y largo plazo. En segundo lugar, el Informe examina las medidas que han adoptado los gobiernos y las instituciones de enseñanza superior para garantizar el derecho a la enseñanza superior durante la pandemia. Considera varios escenarios y ofrece algunas recomendaciones sobre la reapertura de las instituciones, destacando la importancia de iniciar los preparativos desde el principio.8 Esta crise mundial provocou uma restruturação da prestação de serviços educacionais em todos os níveis. O uso intensivo de todos os tipos de plataformas e recursos de tecnologia para garantir a continuidade da aprendizagem é o experimento mais ousado em tecnologia educacional, embora inesperado e não planejado. Teremos de avaliar resultados, aprender melhor o que funciona e porquê, a fim de usar as lições aprendidas para reforçar a inclusão, a inovação e a cooperação na educação superior. Se a Agenda 2030 das Nações Unidas já estava tendo impacto nos programas de educação superior, a crise atual é um apelo claro para que as universidades estejam na vanguarda das transformações necessárias para reconstruir bases mais fortes e mais cooperativas. Isso deve ser traduzido em apoio público a instituições terciárias para defender as pesquisas e as inovações públicas, bem como as abordagens transdisciplinares para lidar com a complexidade e com um maior intercâmbio de conhecimento para delinear soluções. A recuperação imediata requer medidas justas e transparentes para apoiar os estudantes. Desde o início da crise, a equidade tem sido o princípio norteador da resposta da UNESCO à crise. Facilitamos um diálogo político global para responder a uma multiplicidade de desafios em torno do ensino, da aprendizagem, da avaliação e da conectividade. Intensificar a cooperação internacional é a única maneira de encontrar respostas justas, inclusivas e inovadoras. Este é o objetivo do Coalizão Global de Educação da UNESCO em resposta à COVID-19, que reúne 80 organizações multilaterais sem fins lucrativos, privadas, acadêmicas e da sociedade civil para apoiar os países na implantação de soluções inclusivas de ensino à distância. Nenhum estudante deve ser deixado para trás por esta crise. Espero que este relatório seja decisivo para que todos os interessados na educação superior defendam esse princípio e traduza-o em ações significativas. As IES abrigam o talento e a criatividade que o mundo precisa para construir um futuro mais inclusivo, resiliente e sustentável. A UNESCO está comprometida em defendê-los durante a recuperação e está de olho no futuro, com base nos direitos humanos e na responsabilidade social.9 Resumo executivo Este relatório, produzido pela equipe técnica do Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe (UNESCO-IESALC), primeiramente considera quais são os impactos imediatos da pandemia no setor de ensino superior, tanto para os diferentes envolvidos quanto para as instituições e o sistema como um todo. Alguns desses impactos, que infelizmente são menos evidentes à primeira vista, são muito importantes e surgirão a médio e longo prazo. Em segundo lugar, analisam-se as ações que os governos e as IES estão tomando para garantir o direito à educação superior durante a pandemia. Finalmente, levando em conta vários cenários, algumas considerações e recomendações são formuladas para abordar a reabertura das IES, para a qual é importante se preparar o mais rápido possível. Os efeitos atuais da crise na educação superior são facilmente documentados, mas aqueles que deixarão sua marca nos vários agentes a médio e longo prazo são mais sujeitos a debate. A falta de referências a crises semelhantes no passado torna difícil prever o que pode acontecer em um futuro imediato. No caso dos estudantes, o impacto mais imediato tem sido, obviamente, que a cessação temporária das atividades presenciais das IES os deixou em uma situação totalmente nova, particularmente os de nível de graduação e aqueles prestes a terminar a educação secundária superior1 aspirantes a ingressar no ensino superior. Sem uma ideia clara de quanto tempo a situação durará, bem como os impactos imediatos em seu dia a dia, nos custos que recaem sobre os estudos, em seus encargos financeiros e, naturalmente, na continuidade de sua aprendizagem e na mobilidade internacional. Os professores também são afetados significativamente no trabalho e profissionalmente. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que nem todas as IES têm estratégias para a continuidade da atividade docente e, diante disso, os contratos temporários podem ser rescindidos. Por outro lado, o impacto mais evidente sobre os professores é a expectativa, quando não a exigência, de continuidade da atividade docente na modalidade virtual. O pessoal não docente representa o setor mais vulnerável em termos de possível redução de postos de trabalho a que, por exemplo, as universidades privadas teriam que recorrer diante de uma possível adversidade financeira devida ao cancelamento de taxas ou à redução de matrículas de estudantes. Parece claro que em todo o mundo a cessação temporária das atividades presenciais das IES tem funcionado como uma enorme interferência no seu funcionamento. O impacto dessa interrupção é altamente variável e depende, em primeiro lugar, da capacidade das IES permanecerem ativas em suas atividades acadêmicas e, em segundo lugar, da sustentabilidade financeira. No caso de uma longa interrupção das atividades presenciais, ou seja, o equivalente a um trimestre ou mais, é provável que haja uma redução da demanda a curto prazo e uma recuperação já no próximo ano acadêmico, quando as taxas e encargos forem inexistentes (como na Argentina) ou muito acessíveis. Ainda é muito cedo para estimar como a oferta de educação superior irá se comportar. Provavelmente, se toda a oferta fosse pública, seria fácil prever que o número de centros e programas dificilmente diminuiria. Entretanto, as IES públicas reabrirão num contexto de 1 NT: Para verificar a equivalência dos níveis educacionais no Brasil e nos Países Africanos de Língua Oficial Portu- guesa (PALOPS), consultar o “Glossário de terminologia curricular” do UNESCO-IBE, que apresenta a Classificação Internacional Normalizada da Educação (International Standard Classification of Education – ISCED), disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000223059_por>.10 plena recessão econômica e são esperados cortes significativos nos investimentos públicos em educação, como os vivenciados durante a crise financeira de 2008. No caso das IES privadas, é possível antecipar crises financeiras que levarão a fechamentos permanentes. Em termos de respostas políticas, os países tenderam a se limitar a três pontos: a) medidas administrativas para salvaguardar o funcionamento do sistema; b) recursos financeiros; e c) provisão de recursos para a continuidade das atividades de formação. As respostas institucionais cobriram, desde o início, diferentes áreas: a frente estritamente sanitária, o ajuste de calendários, a contribuição da pesquisa e desenvolvimento para mitigar a pandemia, a garantia de continuidade das atividades de formação através da educação à distância, o apoio de recursos bibliográficos e tecnológicos e também o apoio socioemocional à comunidade universitária. Embora, por enquanto, o momento da reabertura das IES possa parecer incerto ou indeterminado, isso deveria ser visto como uma oportunidade de planejar melhor a saída da crise, dentro de um marco de referência apropriado. Para a UNESCO, esse marco deve ser com base nos seguintes princípios: 1. Assegurar o direito à educação superior para todos num quadro de igualdade de oportunidades e não discriminação é a primeira prioridade, portanto, todas as decisões políticas que afetam, direta ou indiretamente, o setor de educação superior devem ser orientadas por este direito. 2. Não deixar nenhum estudante para trás, em consonância com o propósito principal dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A crise tem impactos diferentes nos diversos perfis dos estudantes, mas é inegável que ela aprofunda as desigualdades existentes e gera novas desigualdades. 3. Rever os quadros legais e as políticas existentes para garantir medidas estruturais que entendam a educação como algo contínuo em que os caminhos educacionais devem ser fortalecidos desde a primeira infância ao ensino superior e até além dele, minimizando a fragilidade dos estudantes mais vulneráveis que chegam à educação superior. 4. Preparar-se a tempo para o reinício das aulas presenciais, evitando precipitações e oferecendo, desde o primeiro momento, clareza na comunicação a toda a comunidade acadêmica e segurança administrativa e acadêmica, para que professores, pessoal administrativo, de serviços e estudantes possam ser colocados no novo contexto conhecendo antecipadamente as disposições, processos e mecanismos concebidos para retomar as atividades docentes. 5. A retomada das atividades presenciais nas IES deve ser vista como uma oportunidade para repensar e, na medida do possível, redesenhar processos de ensino e aprendizagem, aproveitando as lições que o uso intensivo da tecnologia pode ter trazido, com foco especial na equidade e na inclusão. 6. Governos e IES devem gerar mecanismos consensuais que permitam avançar conjuntamente na geração de maior capacidade de resistência do setor de educação superior a crises futuras, qualquer que seja sua natureza. É absolutamente essencial envolver os estudantes, docentes e não docentes no desenho das respostas que situações de emergência exigem.11 Na aplicação desses princípios e no contexto de uma saída progressiva da crise, os governos devem: 1. incluir educação superior nos planos de estímulo à recuperação econômica e social; 2. forjar um consenso nacional para uma estratégia que promova a recuperação e a inovação no ensino superior; 3. dotar-se de um arcabouço normativo claro na reabertura das salas de aula que crie segurança; e 4. comprometer-se com a cooperação internacional. As IES, por sua vez, deverão: 5. antecipar-se a uma suspensão de longo prazo, concentrando esforços em assegurar a continuidade da formação dos estudantes e garantir a equidade, gerando mecanismos eficientes de gestão, monitoramento e apoio; 6. elaborar medidas pedagógicas de avaliação formativa e gerar mecanismos de apoio à aprendizagem de estudantes em desvantagens; 7. documentar as mudanças pedagógicas introduzidas e seus impactos; 8. aprender com os erros e ampliar a digitalização, hibridização e aprendizagem obíqua; e 9. promover a reflexão interna sobre a renovação do modelo de ensino e aprendizagem.12 Introdução Desde sua fundação, as universidades, como qualquer outra instituição social, tiveram de enfrentar epidemias devastadoras que afetaram seu funcionamento cotidiano. E elas prosseguem sobrevivendo e continuando com a sua missão, mesmo com as portas fechadas. Em 1665, a Universidade de Cambridge (Cambridge University) foi fechada devido a uma epidemia da peste negra que atingiu a Inglaterra. Isaac Newton teve de voltar para sua casa em Woolsthorpe Manor. Um dia, sentado no jardim, ele viu uma maçã cair, o que o inspirou a formular a lei da gravitação universal. Pelo menos foi assim que ele contou a William Stukeley, que incluiu essa pequena narrativa na biografia que publicou após a morte de Newton (Stukeley, 1752). A moral dessa história é que, por mais que as portas das instituições de ensino superior tenham que ser fechadas, as atividades acadêmicas continuam onde há espíritos comprometidos com a ciência e a educação, às vezes com resultados surpreendentes. A propósito, a Universidade de Cambridge fechou suas portas novamente agora, em 2020, pela segunda vez em sua história. Atualmente, o fechamento temporário das instituições de ensino superior (IES), devido à pandemia da COVID-192, deixou de ser notícia porque os países onde elas deixaram de operar presencialmente já são maioria. As estimativas do UNESCO-IESALC, contempladas no gráfico a seguir, mostram que o fechamento temporário afeta aproximadamente 23,4 milhões de estudantes do ensino superior (CINE 5, 6, 7 e 8) e 1,4 milhão de docentes na América Latina e Caribe; isso representa aproximadamente mais de 98% da população de estudantes e professores da educação superior da região. Como mostra o Gráfico 1, a suspensão das atividades presenciais foi extremamente rápida na região: começou em 12 de março na Colômbia e no Peru e, em questão de seis dias, atingiu quase toda a população de estudantes e docentes de educação superior da região. Até 17 de março, uma quantidade de 21,7 milhões de estudantes e 1,3 milhão de professores foram afetados pelos fechamentos temporários. Gráfico 1. Estimativa do número acumulado de estudantes (ISCED 5, 6, 7 e 8) e professores afetados pela suspensão das aulas presenciais durante o mês de março de 2020 na América Latina e no Caribe (em milhares) Fonte: Elaborado pelo UNESCO-IESALC. 2 Sigla para a doença do coronavirus 2019 (Coronavirus Disease 2019). 0 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 1.600 0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 M ilh ar es d e es tu da nt es M ilh ar es d e pr of es so re s Estudantes Dia do mês de março de 2020 Professores13 A decisão relativa ao fechamento temporário das IES tem sido motivada pelo princípio da salvaguarda da saúde pública em um contexto no qual grandes aglomerações de pessoas geram, pela natureza da pandemia, sérios riscos. Onde foi decretada alguma forma de confinamento ou quarentena, tais medidas sempre foram acompanhadas pelo fechamento das IES e, de forma mais geral, de todas as instituições educacionais. Na Europa, atualmente, a paralização das atividades presenciais continua sendo a norma. Nos Estados Unidos, as medidas estão nas mãos das autoridades estatais, mas a grande maioria dos campi, particularmente os de grandes universidades públicas e privadas, fecharam semanas antes da intervenção do governo. À medida que a pandemia se expandir, o que parece inevitável, outros países também imporão medidas para suspender as atividades presenciais para todas as instituições educacionais. Na América Latina, as medidas de confinamento ou quarentena foram tomadas quase imediatamente e, em alguns casos, considerando-se um longo período. Assim, por exemplo, na Argentina, foi recomendada a suspensão das aulas em 14 de março; no Chile, a quarentena total em algumas comunidades resultou no fechamento massivo das IES a partir de 16 de março; na Colômbia, todas as IES estão fechadas seguindo o decreto de emergência sanitária de 12 de março e com previsão de durar até 30 de maio; em Cuba, as IES foram fechadas em 25 de março por um período indeterminado; no Peru, as aulas presenciais foram suspensas em 12 de março, inicialmente por apenas 15 dias, mas a suspensão das aulas presenciais foi prorrogada até 4 de maio; em El Salvador, as aulas foram suspensas por 30 dias até novo aviso em 11 de março; no Uruguai, a Universidade da República ordenou a suspensão das atividades presenciais em 15 de março, também por quase 30 dias; na Venezuela, o estado de alerta já foi decretado em 13 de março, inicialmente por 30 dias. Ninguém sabe ao certo quanto tempo esses fechamentos vão durar. As medidas iniciais tomadas por muitos governos têm variado de 15 a 30 dias, mas é fácil prever que essa duração se estenderá até que a pandemia enfraqueça. Não é descabido imaginar cenários nos quais essa situação dure dois meses ou mais ou, como já foi anunciado na Espanha e na Itália, que se decida por não retomar as aulas presenciais durante o restante do semestre letivo, que normalmente termina no mês de junho, embora seja possível que os exames de avaliação (Evaluacion del Bachillerato) para o acesso à universidade (Acceso a la Universidad – EBAU) se realizem de maneira presencial na Espanha. Embora a pandemia tenha causado um impacto totalmente abrupto sobre as IES, na maioria dos casos, sem outro plano de contingência que não seja tentar dar continuidade às aulas à distância, é importante começar a traçar as linhas fundamentais para a saída desta crise, garantindo os mais altos graus possíveis de inclusão e equidade. De fato, pode-se dizer que a pandemia acrescenta um grau adicional de complexidade crítica à educação superior que, praticamente em todo o mundo, mas em particular nesta região, já enfrentava desafios não resolvidos, como o crescimento sem garantias de qualidade, desigualdades de acesso e de resultados ou a perda progressiva do financiamento público.14 1. Impactos previsíveis de curto, médio e longo prazo A falta de referências a crises semelhantes no passado torna difícil prever o que pode acontecer em um futuro imediato. Logicamente, os efeitos presentes são facilmente documentados, mas aqueles que deixarão sua marca nos diferentes envolvidos, no médio e no longo prazo, são mais sujeitos a debate. Para facilitar a análise, apresentam-se a seguir os impactos reais e estimados para os diferentes atores e para os sistemas como um todo. A. Estudantes O impacto mais imediato obviamente foi o de que a cessação temporária das atividades presenciais das IES deixou os estudantes, particularmente os universitários e os que estão prestes a terminar a educação secundária superior, aspirantes à educação superior, em uma situação totalmente nova e de duração indeterminada; além disso, com impactos imediatos em seu dia a dia, nos custos que recaem sobre os estudos, em seus encargos financeiros e, naturalmente, na continuidade de sua aprendizagem. Ainda não existem dados disponíveis sobre quais seriam as principais questões enfrentadas pelos estudantes em relação à pandemia. Dados de uma pesquisa recente, que estuda sobre esse assunto junto aos coordenadores das Cátedras UNESCO em todo o mundo, fornecem uma indicação a respeito dessas questões, conforme percebidos por eles. O gráfico a seguir permite comparar as respostas entre as cátedras ibero-americanas e as do restante do mundo. Gráfico 2. As principais dificuldades dos estudantes da educação superior durante a pandemia, segundo as Cátedras UNESCO Fonte: Pesquisa da UNESCO junto aos coordenadores das Cátedras UNITWIN (2020). Os resultados sugerem que, em escala global, as principais preocupações são com o isolamento social, as questões financeiras, a conectividade à internet e, em geral, a situação de ansiedade relacionada à pandemia. Na Ibero-América, no entanto, a ordem das preocupações é um pouco diferente, uma vez que os coordenadores das Cátedras UNESCO colocam apenas três prioridades, 0 10 20 30 40 50 60 70 80 Equipamento TIC Conectividade e internet Isolamento social Comunicação com pares e professores Manter um horário/rotina regular Ansiedade geral em relação à COVID-19 Preocupações econômicas Restante do mundo Ibero-América15 acima das outras: a conectividade à internet, as questões financeiras e as dificuldades em manter um cronograma regular que, provavelmente, podem estar associadas a algumas formas de ensino e aprendizagem cuja auto regulação das aprendizagens não seja promovida pela escola. Essa situação é particularmente preocupante em relação aos estudantes mais vulneráveis que ingressaram na educação superior em condições mais frágeis. Uma ruptura no ambiente como a que está causando essa crise pode transformar essa fragilidade em abandono, e aumenta ainda mais a exclusão, gerando a desigualdade caracterizada no ingresso à educação superior da região. Essa desigualdade se reflete nas altas taxas de abandono e não conclusão da educação superior: em média, apenas metade das pessoas entre 25 e 29 anos que estavam matriculadas não concluiu seus estudos, seja por abandono ou porque ainda estudam. Entre os que abandonam, metade o faz no primeiro ano de curso (Ferreyra et al., 2017). Por outro lado, é difícil prever os múltiplos e diversos efeitos que são sentidos nos diferentes perfis dos estudantes, independentemente de seu aspecto socioeconômico, começando pelo gênero.3 Vida diária e equilíbrio pessoal Os estudantes tiveram de reorganizar seu cotidiano para se adaptar a uma situação de confinamento. A maioria dos estudantes que viviam longe de suas famílias, mas no mesmo país, voltou para casa; porém, no caso dos estudantes no exterior, a situação continua altamente variável, com dezenas de milhares retidos nos países de destino, aguardando a retomada das atividades presenciais ou impossibilitados de retornar a seus países devido ao fechamento de aeroportos e fronteiras. A perda do contato social e das rotinas de socialização que fazem parte da experiência diária de um universitário terão um custo. O isolamento, que inevitavelmente está associado ao confinamento, terá efeitos relacionados ao equilíbrio socioemocional, deixando marcas especialmente naqueles estudantes que têm problemas pré-existentes nesse aspecto. Os estudantes mais vulneráveis, que participam de programas de apoio, são atingidos pelo isolamento ainda com mais força. De maneira indicativa, como exemplo, uma pesquisa realizada na última semana de março entre estudantes do ensino superior dos EUA revelou que 75% afirmam ter experimentado ansiedade e depressão por causa da crise. Custos e encargos financeiros Os estudantes e, em muitos casos, suas famílias ainda terão que arcar com os custos associados à sua educação superior. Com exceção dos poucos países onde não há encargos, os estudantes devem continuar a arcar com esses custos, especialmente quando, para cursar a educação superior, eles tiveram de assumir uma residência temporária, individual ou compartilhada, em um local diferente de sua residência habitual, cujo custo deve ser mantido mesmo que decidam voltar para suas famílias. E, quando há condições de acesso ao ensino gratuito, como pela conclusão do curso superior em determinado período, ou obter um resultado acadêmico, essa situação pode ter maiores consequências se os campi forem fechados por um longo período e se não forem tomadas medidas específicas. Quanto aos custos, uma preocupação adicional para os estudantes mais vulneráveis que têm benefícios estudantis para acomodação, alimentação ou transporte, está relacionada à suspensão ou manutenção de seus benefícios enquanto estudam à distância devido à crise. Essa questão 3 Disponível em: <https://www.nature.com/articles/d41586-020-01135-9>.16 dependerá da capacidade das IES ou dos financiadores de oferecer apoio aos impactos econômicos do fechamento temporário e merece atenção especial. Essas preocupações se refletem, por exemplo, no fato de mais de 260 mil estudantes terem assinado uma petição formal ao governo inglês para que uma parcela significativa de suas mensalidades seja reembolsada. Os estudantes acreditam que o ensino online oferecido não vale o custo das mensalidades normais que correspondem, em média, a £ 9.250 (US$ 11.500) por ano. Uma situação semelhante é vivenciada na Coreia do Sul, onde as taxas anuais são muito elevadas e, é claro, nas grandes IES dos Estados Unidos, particularmente nos estudos de pós-graduação. Continuam ocorrendo pedidos de reembolso de estudantes que pagaram US$ 60.000 ou mais por um ano letivo e que tiveram aulas presenciais suspensas. Uma pesquisa recente4 mostra que 43% dos estudantes de MBA das 20 escolas de negócios mais prestigiadas do país estão convencidos de que, com a mudança para aulas online, eles devem ser reembolsados em pelo menos um terço do que pagaram; isso se deve ao fato de que, em grande parte, a experiência contratada inclui a troca de conhecimentos e perspectivas entre os participantes para a criação de uma rede profissional. Por outro lado, a revista “Forbes”5 estima que o investimento necessário para um ano de estudo em uma dessas instituições pode chegar a US$ 250.000, incluindo o custo de oportunidade. Parte das requisições decorre do fato de muitos estudantes terem empréstimos que devem continuar pagando e, em muitos casos, o aluguel do quarto na residência universitária pelo qual precisam pagar, permanecendo ou não no local. Algumas IES, como as de Glasgow, na Escócia, já anunciaram que não cobrarão mais os respectivos valores após o primeiro mês dos estudantes que devolveram as chaves. Algumas IES inglesas finalmente propuseram, em vez de devolver taxas já pagas, transformá-las em créditos para o próximo ano letivo. Por enquanto, não há um só país na região onde tenha sido oferecida uma moratória ou a suspensão de pagamentos, em grande parte por talvez se tratar apenas de uma situação temporária de curta duração e que, em todo caso, a continuidade das aulas seria garantida por meios alternativos. Em muitas universidades públicas, as taxas são pagas em uma única parcela no início do ano letivo, mas, no caso das universidades privadas, em especial daquelas com taxas elevadas, os pagamentos são distribuídos ao longo do curso; não há, no momento, qualquer evidência da suspensão desses pagamentos em nenhum lugar. Mas, como indicado abaixo, existe uma tendência de adiá-las, como mostra o gráfico seguinte. O adiamento dos pagamentos é considerado mais provável nas Cátedras UNESCO ibero-americanas do que nas outras localizadas no restante do mundo. 4 Disponível em: <https://poetsandquants.com/2020/03/29/pq-survey-a-third-of-admits-may-defer-while-43-want- tuition-lowered-if-classes-are-online/>. 5 Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/poetsandquants/2020/03/30/should-colleges-discount-tuition-because- of-the-shift-to-internet-classes/>.17 Gráfico 3. A opinião dos coordenadores das Cátedras UNESCO sobre o caso de o pagamento de taxas estar ou não acontecendo Fonte: Pesquisa junto aos coordenadores das Cátedras UNESCO da UNITWIN (2020). Da mesma forma, não foram implementadas medidas para incentivar a moratória ou a suspensão temporária dos pagamentos de empréstimos e créditos tomados pelos estudantes. Entretanto, os dois casos acima mencionados, de curta duração da situação e de continuidade das atividades de ensino em modalidade não presencial, podem ser questionados, caso a cessação das atividades de frequência for prolongada pelo equivalente a um semestre acadêmico ou mais. Nesse caso, vozes podem se levantar, de forma justificada ou não, a favor da suspensão da avaliação do ano letivo, o que é particularmente dramático no caso dos estudantes dos últimos anos da educação secundária superior que aspiram ingressar na educação superior. Se assim for, as implicações em termos de encargos financeiros para os estudantes que têm empréstimos ou créditos significariam, em última análise, que eles teriam que estender sua duração pelo equivalente a mais um ano. Não está claro que isso seja igualmente viável para todos os estudantes e suas famílias. Contudo, por enquanto, foram anunciados apenas atrasos, pois ainda não está previsto um longo período de suspensão das aulas presenciais e, por essa razão, deverá ser realizado um acompanhamento minucioso da evolução da situação, que, por hora, é indefinível. Perspectivas de emprego para recém-formados Finalmente, é importante antecipar a situação em que as turmas de estudantes que irão se formar em 2020 ou 2021, terão de pagar seus empréstimos e créditos universitários, e irão encontrar um mercado de trabalho em recessão devido à crise. As perspectivas de emprego de jovens graduados são incertas. Em geral, os trabalhadores com menos de 25 anos têm duas vezes e meia mais chances do que aqueles com mais de 25 anos de trabalhar em setores que foram fechados pela pandemia. Assim, os jovens que já estão no 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Restante do mundo Ibero-América sim não18 mercado de trabalho estão sofrendo mais do que os trabalhadores mais velhos.6 Entretanto, há um grupo que pode estar em uma situação pior, trata-se do grupo de jovens que procuram entrar no mercado de trabalho pela primeira vez este ano, em 2020. Este é um momento preocupante para os estudantes. E será uma preocupação não apenas para este ano, mas também para o seu futuro emprego e suas perspectivas de renda. Mesmo neste contexto, aqueles que se formam este ano podem esperar mais dificuldades para encontrar um emprego e, acima de tudo, mais dificuldade de encontrar um emprego bem remunerado do que seus antecessores imediatos. Especialmente no caso de a economia demorar muito para crescer novamente, pois eles podem esperar ganhar menos do que esperariam por um período de tempo considerável. Provavelmente, o mercado de trabalho no momento da graduação será mais difícil do que em 2008-2009, sugerindo que as perspectivas de emprego e renda serão mais afetadas. No entanto, a velocidade da recuperação ainda é desconhecida, e a experiência de longo prazo desse coorte de graduados dependerá da velocidade dessa recuperação. Estimativas do Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), por outro lado, antecipam consideráveis quedas na renda dos recém-formados em função da referida crise (Sanz; Sáinz; Capilla, 2020). A substituição das aulas presenciais Os estudantes, que tiveram a sorte de ter garantida a continuidade das atividades, também tiveram que fazer um esforço para se adaptar ao que, para muitos deles, são novas formas de ensino e aprendizagem. A opção por soluções de continuidade que requerem conectividade está se deparando com a realidade da baixa conectividade em residências de países renda baixa e média ao redor do mundo. O Gráfico 4 mostra, em primeiro lugar, o percentual de domicílios com conexão à internet e mostra a baixa conectividade nas regiões da África e da América Latina e Caribe, que mal chegam a 17% e 45%, respectivamente. No caso da América Latina e Caribe, isso é o mesmo que dizer que apenas um em cada dois lares está conectado. Gráfico 4. Percentual de domicílios com conexão à internet por região (2018) Fonte: Base de dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT), 2020. 6 Disponível em: <https://www.ifs.org.uk/publications/14816>. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 África América Latina e Caribe Ásia e Pacífico Países Árabes Comunidade dos Estados Independentes (CEI) Europa América do Norte19 Embora seja possível supor que as famílias com um estudante na educação superior tenham maiores probabilidades de ter acesso à internet, seria muito arriscado assumir que todos os estudantes estão efetivamente conectados quando voltam para casa. Ainda existe uma enorme lacuna digital entre os países e dentro de cada um deles, tanto que a adoção do e-learning como forma de garantir a continuidade pedagógica foi rejeitada por várias organizações estudantis em diferentes países africanos, por exemplo. Argumentam que é uma solução inacessível, impraticável e elitista.7 Mesmo na Espanha, calculou-se que entre 3% e 20% dos estudantes não têm condições de conectividade apropriadas e que, por outro lado, os sistemas das IES não têm a capacidade real de assumir o número de conexões simultâneas que o sistema de continuidade pedagógica requer se a maioria dos estudantes realmente o utilizasse intensivamente.8 O Gráfico 5 revela, neste contexto, o paradoxo de que, apesar das taxas de conectividade doméstica serem muito díspares na América Latina, com casos extremos no Chile e na Bolívia, as taxas relativas às linhas móveis são extremamente altas e, em muitos casos, ultrapassam o número de uma linha por pessoa. Esta é, sem dúvida, uma oportunidade que as IES devem aproveitar, concentrando seus esforços em soluções tecnológicas e conteúdos para uso em telefones celulares. Gráfico 5. Percentual de domicílios com conexão à internet e linhas móveis por 100 habitantes em uma amostra de países da América Latina e Caribe (2018) Fonte: Base de dados da UIT, 2020. As formas tradicionais de educação à distância, ou seja, aquelas em que o professor continua a dar uma aula comum que é transmitida ao vivo e pode ser vista posteriormente, parecem ser as mais apreciadas pelos estudantes, porque reproduzem melhor a dinâmica a que estão acostumados. Iniciativas que tentam alterar radicalmente as regras de funcionamento e exigem que os estudantes saiam de sua zona de conforto sem nenhum treinamento prévio são menos apreciadas porque, por razões bem diferentes, os universitários tendem a ser mais conservadores do que se poderia pensar ou menos dispostos a mudanças (Watts, 2016). Em contraste a isso, 7 Disponível em: <https://www.universityworldnews.com/post.php?story=20200422075107312>. 8 Disponível em: <https://elpais.com/sociedad/2020-04-14/a-3000-de-mis-estudiantes-les-esta-fallando-la-conectividad-de- forma-habitual.html https://elpais.com/sociedad/2020-04-14/a-3000-de-mis-estudiantes-les-esta-fallando-la-conectividad- de-forma-habitual.html>. 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 Bo lívi a El Sa lva do r Cu ba Nic ará gu a Gu ate ma la Pa rag ua i Ho nd ura s Pe ru Re p. Do mi nic an a Ve ne zu ela Eq ua do r Co lôm bia Mé xic o Jam aic a Pa na má Ur ug ua i Br asi l Co sta Ri ca Ar ge nti na Ch ile Domicílios conectados linhas móveis20 o comportamento dos estudantes de pós-graduação parece estar mais aberto a metodologias participativas ou que requerem um maior nível de interação deles e o corpo docente. Em geral, a mudança de modalidade não parece ter sido recebida de forma muito positiva. Parte da insatisfação decorre do fato de que o conteúdo oferecido nunca foi concebido no âmbito de um curso superior à distância, visando-se apenas a compensar a inexistência de aulas presenciais com aulas virtuais sem preparo adicional. Em segundo lugar, as expectativas dos estudantes são diferentes se eles esperam se inscrever, desde o início, em um curso à distância ou em um curso presencial, com todos os elementos sociais e experimentais que sempre acompanham a experiência presencial em uma IES. Deve-se notar também que a educação à distância requer maior disciplina e comprometimento por parte do estudante, o que talvez explique porque ela é mais bem-sucedida entre os estudantes mais velhos, ou seja, os pós-graduandos, do que entre os de graduação. A experiência presencial é particularmente importante para estudantes vulneráveis, os quais, muitas vezes, tiveram menos oportunidades de interagir em ambientes como um campus universitário que lhes permitisse fortalecer suas habilidades sociais; portanto, se o fechamento for prolongado, eles serão mais afetados de forma adversa do que outros estudantes. É difícil prever o impacto que a mudança nas modalidades de ensino e aprendizagem pode ter, no médio e no longo prazo, sobre os estudantes. Em princípio, se as dinâmicas tradicionais são reproduzidas por meios tecnológicos, elas não devem ser muito importantes porque o retorno à sala de aula será experimentado como um retorno à normalidade, especialmente quando são previstas formas de avaliação contínua da aprendizagem online. Por outro lado, também é preciso ter em mente que a experiência, em alguns casos, resultará em muitas dúvidas sobre a necessidade de se retornar completamente à sala de aula, sem se aproveitar plenamente as oportunidades oferecidas pelas tecnologias. Certamente, a questão central é se, em caso de continuidade das atividades de ensino, os estudantes serão capazes de atingir os objetivos de aprendizagem previstos para o curso. As pesquisas existentes não deixam margem para dúvidas a esse respeito e consideram que, em princípio, os resultados devem ser iguais, principalmente se a duração for curta (Yen et al., 2018); porém, as variáveis envolvidas são muitas e os contextos são muito diferentes para se concluir que será assim em todos os casos. Mobilidade internacional Desde janeiro de 2020, a propagação da COVID-19 tem afetado as viagens de milhares de estudantes. Desde o final de fevereiro de 2020, restrições de viagens para vários países, incluindo China, Coreia do Sul, Irã, Itália e, mais tarde, Argentina, Brasil9, Espanha, Panamá e Venezuela, para citar alguns, estão impedindo o fluxo de estudantes estrangeiros, professores e funcionários em todo o mundo. Em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que mais de 5,3 milhões de estudantes estavam estudando fora de seus territórios de origem, sendo a China o emissor número um de estudantes (928 mil) para o exterior. Segundo estimativas da revista “The Times Higher Education”, presume-se que o impacto da COVID-19 resultará em cerca de 80 mil estudantes chineses a menos entrando nos Estados Unidos, 35 mil no Reino Unido e cerca de 30 mil na Austrália.10 Este impacto será diferente dependendo do país: para a Austrália, com 1.774.852 estudantes matriculados na educação superior e 29% deles sendo estrangeiros 9 Proíbe a partir de 28 de março de 2020, a partir da 0 hora, a entrada no país de todos os cidadãos por via aérea, devido à propagação do coronavírus em escala global. 10 Global higher education set to count cost of coronavirus outbreak. Times Higher Education, 8 Mar., 2020. Disponível em: <https://www.timeshighereducation.com/news/global-higher-education-set-count-cost-coronavirus-outbreak>.21 (514.707)11, o contingente de estudantes chineses representa 20% da receita orçamentária das universidades do país. Pode-se estimar que, nos três principais países receptores (Austrália, Estados Unidos e Reino Unido), a COVID-19 irá ocasionar a perda de bilhões em receitas e uma crise sem precedentes. A educação é a terceira maior fonte de renda da Austrália. Na América Latina, onde a recepção de estudantes estrangeiros é muito baixa (UNESCO-IESALC, 2019), as perdas econômicas serão menores. Da mesma forma, embora na direção oposta, em 2018, o governo chinês reportou 81.562 estudantes africanos no país, muitos deles atraídos por generosas bolsas de estudo do governo. Acredita-se que cerca de 5 mil deles estavam em Wuhan na época do surto da epidemia, pois a cidade possui dezenas de instituições de educação superior que oferecem qualificações altamente conceituadas na África.12 Embora muitos estudantes tenham solicitado o retorno ao seu país, as autoridades chinesas pediram às embaixadas locais que dissessem aos seus cidadãos para não procurarem voltar para casa, a fim de evitar a propagação da doença. Uma situação epidêmica não exige respostas maximalistas? Muito provavelmente sim, mas a permanência forçada causa uma ruptura interna com efeito sobre a segurança psicológica, razão pela qual haverá estudantes que desistirão de seu interesse em estudar no exterior, independentemente de onde estiverem. A referência anterior prevê que muitos estudantes desistirão de seus estudos e estadias acadêmicas não apenas por efeitos psicológicos, mas também por restrições epidemiológicas, ao se verem condicionados à gravidade que a pandemia apresenta em seus respectivos países, à oferta limitada de voos comerciais, bem como por razões econômicas, já que os fundos de apoio de seus países de origem também foram reduzidos ou cancelados. No mês passado, o Conselho Americano de Educação realizou uma projeção de redução da matrícula internacional em 25% nos Estados Unidos no próximo ano.13 É interessante destacar que a Nova Zelândia e o Canadá estenderam medidas de apoio emergencial a estudantes internacionais, em vez de tratá-los de maneira diferente de seus nacionais. No entanto, os três principais destinos para estudantes internacionais (Estados Unidos, Reino Unido e China) ainda não fornecem apoio financeiro a estudantes estrangeiros no âmbito governamental, embora no caso do Reino Unido14 e dos Estados Unidos, algumas universidades já ofereçam ajuda por meio de fundos emergenciais.15 O Programa Erasmus, modelo da mobilidade acadêmica europeia, também mostrou impactos significativos da COVID-19, à medida que a Europa se tornava o novo epicentro da pandemia. Dos 800 mil estudantes mobilizados no ano letivo de 2016/2017, a Espanha foi o principal país receptor (47.138), seguido da Alemanha (34.922), Reino Unido (31.362), França (30.145) e Itália (23.924).16 Durante a redação deste relatório, todos esses países estavam situação de alerta sanitário. Enquanto a pandemia continuar a se alastrar exponencialmente, as IES do programa Erasmus permanecerão fechadas e, consequentemente, a mobilidade acadêmica permanecerá num nível mínimo (73% da mobilidade de saída foi afetada no Espaço Europeu de Educação Superior).17 11 Agência de Qualidade e Padrões do Ensino Superior (Tertiary Education Quality and Standards Agency – TEQSA). 12 African students stranded in coronavirus heartland plead with embassies. The Guardian, 4 Feb., 2020. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2020/feb/04/african-students-stranded-in-wuhan-coronavirus>. 13 Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/05/01/us/coronavirus-college-enrollment.html>. 14 O Conselho do Reino Unido para Assuntos relativos a Estudantes Internacionais emitiu diretrizes para os estudantes estrangeiros sobre o tratamento da pandemia, incentivando-os, entre outras medidas, a contatar seus respectivos provedores de educação caso não possam pagar por sua acomodação, mensalidades, despesas de manutenção etc. 15 Disponível em: <https://thepienews.com/analysis/top-study-coronavirus-intl-students/>. 16 Disponível em: <https://ec.europa.eu/programmes/erasmus-plus/about/statistics_en>. 17 De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Europeia para a Educação Internacional, entre 19 de fevereiro e 6 de março de 2020, com base em 805 questionários válidos.22 Nos Estados Unidos, anuncia-se que o impacto da COVID-19 será igualmente brutal. Muitas das mais prestigiadas universidades internacionais do país estão no epicentro da pandemia: Columbia University (Nova York), Princeton University (Nova Jersey), Stanford University (Califórnia), CalTech (Califórnia) e outras. Sendo polos de pesquisa e captação por excelência da mobilidade acadêmica mundial, esses fechamentos são um duro golpe para a mobilidade acadêmica nos Estados Unidos – o país que mais recebe estudantes em todo o mundo. De fato, desde o final de março, o Departamento de Estado dos EUA suspendeu os serviços de solicitação de vistos, incluindo os estudantis, na maioria de suas embaixadas; portanto, somente presta serviços para seus cidadãos e emite vistos de emergência. Três quartos das IES norte-americanas já relataram um impacto negativo das matrículas de estudantes da China, que tipicamente constituíam cerca de 34% dos estudantes estrangeiros no país. Um impacto semelhante parece já ser esperado na Austrália, no Canadá e na Nova Zelândia. Por outro lado, os planos da China de se tornar, em uma década, o principal destino internacional para estudantes de educação superior, também estão sendo questionados. Na América Latina e no Caribe – um bloco geográfico no qual mais estudantes são mobilizados para outras regiões, particularmente Estados Unidos e Europa, do que aqueles que se deslocam dentro de seus países –, a COVID-19 também causa um grande impacto. Numericamente, os países de onde saem os maiores contingentes de estudantes são, em ordem crescente: Brasil, Colômbia, México e Peru; e o país que recebe o maior número é a Argentina (UNESCO-IESALC, 2019). A crise terá grandes impactos na economia mundial e, inevitavelmente, nas desigualdades. Consequentemente, qualquer decisão sobre mobilidade será tomada com mais cuidado do que no passado, em especial nos casos em que não há disponibilidade de financiamento público. Deve-se lembrar que 95% dos chineses que estudaram no exterior em 2012 o fizeram com recursos próprios, enquanto 48% da mobilidade estudantil mexicana, no período de 2015 a 2016, foi financiada por suas respectivas famílias (Maldonado; Cortés; Ibarra, 2016). Ao mesmo tempo, a crise atual pode aumentar o número de pessoas deslocadas em busca de oportunidades, uma questão que trará enormes desafios adicionais. A latência global da doença e as incógnitas que ela ainda contém, o esgotamento dos sistemas de saúde em alguns países, uma cooperação internacional questionável, uma economia mundial que parece se “desglobalizar” de forma caótica e o fechamento generalizado das fronteiras são presságios deque a mobilidade acadêmica internacional permanecerá fortemente prostrada no curto prazo. Alguns especialistas sugeriram que serão necessários cinco anos, no mínimo, para se retornar aos níveis pré-crise de mobilidade internacional. No entanto, é muito provável que os destinos também mudem, pelo menos para os estudantes asiáticos, com a Malásia se tornando o foco principal, seguida pela Coreia do Sul e por Singapura, de modo a privilegiar acordos regionais. Por outro lado, não se sabe como esta crise sanitária afetará os deslocamentos forçados e não forçados de centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo, o que continuará pressionando os Estados, que terão de continuar buscando soluções tanto para garantir o direito à educação em todos os níveis para esses grupos, quanto para o reconhecimento justo de seus estudos, títulos e diplomas. A Convenção Global sobre Reconhecimento de Qualificações relacionadas à Educação Superior aprovada pela Conferência Geral da UNESCO (25 de novembro de 2019) poderia contribuir para aliviar em parte esse prognóstico, se a ratificação por 20 países for alcançada prontamente, para que entre em vigor. Essa é a primeira convenção mundial das Nações Unidas sobre a educação superior. É um instrumento que estabelece princípios universais para o reconhecimento de títulos acadêmicos além das23 fronteiras, que facilitará a mobilidade acadêmica de estudantes, docentes, pesquisadores e a aprendizagem no plano internacional, garantindo que os resultados acadêmicos sejam avaliados e reconhecidos de forma equitativa, com base em fortes mecanismos de garantia de qualidade que permitam aos indivíduos prosseguir seus estudos e/ou buscar oportunidades de emprego no exterior. As convenções regionais, incluindo a Convenção da América Latina e Caribe, aprovada em 13 de julho de 2019, em Buenos Aires, atuarão da mesma forma quando entrarem em vigor. B. Docentes Embora o foco esteja sempre nos impactos sobre os estudantes, os docentes também são afetados de forma significativa no trabalho e em termos profissionais. Em primeiro lugar, deve-se levar em conta que nem todas as IES têm estratégias de continuidade da atividade docente e, na sua ausência, os contratos temporários podem ser rescindidos. Em muitos países, a docência universitária com dedicação exclusiva não é generalizada e a maioria dos professores trabalha com dedicação em tempo parcial. Além disso, a cessação da atividade de ensino presencial é uma ameaça para aqueles professores cujos contratos são exclusivamente focados em aulas complementares, como aulas práticas ou seminários, e que ocorrem muitas vezes em tempo parcial como um elemento complementar, quando não são oferecidos como opcionais aos estudantes. As medidas para proteger a atividade econômica, que favorecem, por exemplo, mecanismos de regulamentação temporária das contratações, podem levar, em princípio, à rescisão temporária de alguns desses contratos, tanto no setor público como no privado. Contudo, se a situação se prolongar, essas rescisões podem ser longas e, além disso, a ascensão dá modalidade virtual talvez possa comprometer um retorno à situação anterior. Por outro lado, o impacto mais evidente sobre os docentes é a expectativa – se não a exigência – da continuidade das atividades docentes na modalidade virtual. Pelo menos em teoria, a educação virtual está presente na maioria das grandes IES, e é difícil encontrar uma que não tenha um campus virtual e, dentro dele, uma sala de aula virtual para cada disciplina, como extensão da sala de aula física. A capacidade de dar continuidade ao ensino depende em grande parte do uso que cada professor faz desses recursos na prática. Além disso, as disciplinas que buscam desenvolver habilidades profissionais por meio da prática (clínicas, residências pedagógicas, carreiras de design, engenharias, ciências e, em geral, todas aquelas fortemente dependentes de oficinas práticas, trabalhos de laboratório ou práticas institucionais) geram maiores incertezas, o que resultará em uma série de efeitos diferenciadores em cada universidade e em escala sistêmica. Também a matemática, em geral, apresenta mais dificuldade se adaptar ao meio virtual. Existem muitos professores que, sem experiência anterior em educação à distância e sem tempo suficiente para que suas instituições os treinassem de forma adequada, apropriaram- se de toda a mídia não presencial disponível para desenvolver o que ficou conhecido como “educação à distância de emergência” ou, também, coronateaching (ensino-coronário), definido como o processo de “transformar aulas presenciais em aulas virtuais, mas sem alterar o currículo ou a metodologia”.18 Essa entrada abrupta em uma modalidade de ensino complexa, que contém várias opções tecnológicas e pedagógicas e com uma curva de aprendizado acentuada, pode resultar em resultados não tão bons, além de gerar frustração 18 Disponível em: <https://www.latercera.com/tendencias/noticia/el-gran-test-de-las-clasesonline/JOJOMO7S2BAB 3FNRJYPPHGUZ3I/> e <https://eluniversal.cl/contenido/11348/el-rol-clave-delprofesor-en-la-educacion-online- durante-la-crisis-sanitaria>.24 e exaustão devido à adaptação a uma modalidade educacional nunca antes experimentada sem o treinamento correspondente. O termo coronateaching também é utilizado para se referir a um fenômeno socioeducativo emergente com implicações psicoafetivas, tanto para docentes quanto para estudantes.19 Seria algo semelhante a uma síndrome vivenciada pelo por eles quando se sentem sobrecarregados por receber informações excessivas por meio de plataformas educacionais, aplicativos móveis e e-mail. Acrescenta-se também a frustração e a impotência derivadas de limitações na conectividade ou a falta de conhecimento específico (know-how) para se utilizar plataformas e recursos digitais. Os professores que têm uma experiência significativa nessa área do ensino à distância, ocasionada, por exemplo, por meio de programas de pós-graduação à distância, bem como recursos digitais apropriados, provavelmente terão pouca dificuldade em garantir a continuidade da aprendizagem e não sofrerão da síndrome de coronateaching. Em todo caso, não se deve esquecer de que a curva de aprendizagem para o uso eficiente de tecnologias no ensino superior à distância é muito acentuada, e que requer apoio tecnológico e pedagógico externo. E é aqui que os professores podem ver a diferença entre as IES que disponibilizam ferramentas e recursos, tais como cursos de formação e capacitação, e as que não o fazem. Na América Latina e no Caribe, existe um grande contingente de universidades que têm programas de educação virtual, com grande variabilidade na qualidade e também nas taxas de conclusão. Outras IES, localizadas em áreas mais remotas dos países, não possuem um serviço de internet de amplo espectro e algumas delas sequer possuem serviços básicos de conectividade. Muitos estudantes de áreas rurais de países como Argentina, Bolívia, Colômbia e Peru, que retornaram a seus locais de origem, agora se encontram com condições de conectividade piores do que as que tinham em suas casas próximas às IES onde estudam. Por outro lado, a interrupção abrupta das atividades presenciais agora depende de um ambiente digital ao qual muitos tiveram que se acostumar em questão de dias, o que evidencia um uso diferenciado da virtualidade, quanto ao manuseio das diversas ferramentas e suportes tecnológicos (infraestrutura adequada, tanto em aplicativos, ou apps, quanto em plataformas) necessários para orientar os processos de ensino à distância mediados pela tecnologia, bem como à diversidade de acesso à conectividade (disponibilidade de servidores adequados à carga de trabalho e ao fornecimento de banda larga necessária para conexão, entre outros aspectos) para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra de forma eficaz. Assim, essa variabilidade deve ser equiparada ao risco de que a exclusão digital venha a aumentar a lacuna ou desigualdade acadêmica. Os desenvolvimentos recentes – especialmente nos casos da Argentina e do Brasil – apontam para pressões dos sindicatos de professores resistentes à transição para o ensino online por este não ser da mesma qualidade, mas que, na verdade, se preocupam com possíveis demissões ou reduções dos benefícios salariais de seus associados. Há universidades como a de Buenos Aires, que já anunciaram oficialmente que, embora façam o possível para oferecer recursos online, optarão por um reescalonamento posterior da oferta de atividades presenciais. Como apontou a diretora-geral da UNESCO,20 o fechamento das universidades acelerou uma entrada abrupta em uma nova era da aprendizagem. A exigência por transformação digital quase imediata das IES exige não apenas a incorporação de tecnologias, mas também a criação ou a modificação de processos, assim como e a disposição de pessoas com as capacidades e 19 Disponível em: <https://edumorfosis.blogspot.com/2020/04/el-corona-teaching.html>. 20 Disponível em: <https://youtu.be/St_BQRSXmew>.25 habilidades adequadas para desenvolver tais processos e tecnologias. Entretanto, na ausência de mais tempo para preparar essas condições, os professores estão sendo desafiados a encontrar soluções criativas e inovadoras, atuando e aprendendo à medida que avançam, e com isso, demonstrando capacidade de adaptação e flexibilidade nos conteúdos e formatos dos cursos para a aprendizagem nas diferentes áreas de formação. Além do trabalho propriamente docente, que agora é o que mais causa tensões, pelo menos parte do corpo docente desempenha um trabalho de pesquisa muito importante, bem como um trabalho de extensão universitária. Ambos foram suspensos. No caso da pesquisa, atualmente, somente a pesquisa com base bibliográfica (desk research) pode ter uma certa continuidade. C. Equipe não docente A situação das equipes não docentes, administrativas e de serviços, está igualmente em risco quando suas principais atividades não são consideradas essenciais para a continuidade da educação; por exemplo, o pessoal ligado ao apoio técnico e informático pertence à categoria essencial, diferentemente da equipe que trabalha em cantinas, refeitórios ou serviços de limpeza. Em todos esses casos, as medidas tomadas pelos governos quanto a emprego e proteção social serão determinantes. Este é também o setor mais vulnerável em termos de uma possível redução de empregos que, por exemplo, as universidades privadas teriam que implementar diante de uma possível retração financeira causada pelo cancelamento de taxas ou pela redução de matrículas de estudantes. D. Instituições de ensino superior Parece claro que em todo o mundo a cessação temporária das atividades presenciais das IES tem funcionado constituído enorme perturbação ao seu funcionamento. O impacto dessa interrupção é altamente variável e depende, em primeiro lugar, da capacidade de as IES permanecerem ativas em suas atividades acadêmicas e, em segundo lugar, de sua sustentabilidade financeira. Os esforços realizados para continuar ministrando cursos na modalidade virtual são notados em toda parte e, dada a falta de experiência com situações similares no passado, a mudança não tem sido fácil. Por um lado, as IES podem ou não ter sistemas de educação virtual suficientemente maduros e, mesmo no melhor dos cenários, é difícil pensar que eles consigam atingir as dimensões necessárias sem a intervenção de suportes técnicos externos, como servidores de vídeo. Em suma, uma coisa é ter a infraestrutura tecnológica e técnica necessárias para dar suporte a cursos virtuais para uma porcentagem relativamente significativa de estudantes de pós-graduação; outra bem diferente é atender às necessidades técnicas e tecnológicas que exigem uma generalização de todos os cursos para todos os estudantes e em prazos que, em muitos casos, são inferiores a uma semana. O esforço que está sendo realizado é claramente enorme. Entretanto, junto ao vetor de mudança da modalidade de formação está o vetor da sustentabilidade financeira. Um grande número de IES públicas dependem, embora em menor grau do que as privadas, de contribuições parciais dos estudantes; esse é o caso do Chile, da Colômbia, do Peru e da maioria das universidades públicas do México. Isso significa que muitas dessas universidades, mesmo que sejam públicas, enfrentariam sérias dificuldades financeiras. Os fluxos de caixa podem não ser suficientes, de modo a causar problemas financeiros e, talvez, de sobrevivência financeira, particularmente no caso das IES privadas que não puderem abrir por um semestre ou um período acadêmico. Essa situação pode ser especialmente crítica no caso de universidades privadas pequenas ou médias que não são capazes de garantir a continuidade educacional na modalidade virtual. Nesses casos, se a situação se prolongar, é muito provável que, não podendo26 oferecer ensino, elas tenham que suspender temporariamente a cobrança das mensalidades. Nesse contexto, também é possível que as IES privadas maiores tentem atrair esses estudantes agora órfãos. Como resultado, muitas IES podem ser obrigadas a fechar. E. O sistema Os sistemas de educação superior, como um todo, reagiram de maneira solidária e agiram de maneira uniforme em praticamente todo o mundo: continuar a oferecer ensino em modalidades pedagógicas que não requerem aulas presenciais. No entanto, as dúvidas surgem quando começa a ser planejada a hipótese de uma duração prolongada dessa situação excepcional. Se assim for, os efeitos sobre os sistemas serão múltiplos. Tais efeitos serão discutidos a seguir sob a perspectiva da demanda e da oferta, bem como as dificuldades adicionais da gestão do sistema. O comportamento da demanda No caso de uma longa interrupção das atividades presenciais, ou seja, o equivalente a um semestre ou mais, é provável que ocorra uma redução da demanda no curto prazo e uma recuperação já no próximo ano acadêmico, quando as taxas e os encargos são inexistentes (como na Argentina) ou muito acessíveis. No curto prazo, haverá uma quantidade de estudantes que não retornarão mais à sala de aula e cujo percentual é difícil de se calcular. Nos Estados Unidos, uma pesquisa com estudantes de graduação21 estimou que um em cada seis não retornará ao campus quando as atividades presenciais forem retomadas, mas quatro em cada dez continuarão a realizar cursos de ensino superior à distância. Os motivos por trás da suspensão no curto prazo são múltiplos. O primeiro e mais fundamental será econômico, pois a saída da crise financeira levará a taxas de desemprego mais altas e muitas famílias ficarão mais pobres. Talvez, a questão mais importante sobre essa pandemia, sobretudo nas próximas fases, seja como a interrupção do ano acadêmico e o impacto na experiência do estudante prejudicará as taxas de retenção e continuidade, particularmente entre as populações em risco, incluindo estudantes de baixa renda, mulheres, estudantes de grupos étnicos ou minoritários subrepresentados, estudantes de áreas rurais, bem como aqueles com problemas de saúde mental, aprendizagem ou deficiências físicas. Os estudantes que inicialmente se arriscaram a sair de casa, que não conseguem permanecer academicamente ativos, ou estão ficando para trás de seus colegas de classe com melhor conectividade ou aqueles que foram contratados pela escola ou perto dela e precisaram assumir novos empregos em novos lugares; todos esses estudantes encontrarão dificuldades para se habituar ao ritmo acadêmico novamente e voltar à escola quando acabarem as medidas restritivas da pandemia. No caso de grupos vulneráveis, os sacrifícios e as compensações necessários inicialmente para obter a matrícula no ensino superior, podem não ser sustentáveis após os choques pessoais e financeiros que a pandemia tenha causado. É imprescindível que líderes de instituições e do governo se comprometam em apoiar esses estudantes mais vulneráveis para encontrarem maneiras de continuar seus estudos. Caso contrário, eles correm o risco de se tornar vítimas secundárias da pandemia e de suas consequências. Além disso, há uma forte possibilidade de desinteresse em relação às IES. Em outras palavras, os estudantes que não tiverem uma oferta de continuidade não apenas em termos de qualidade, mas também em termos de acompanhamento individualizado, provavelmente perderão o ritmo acadêmico, o que aumenta o risco de desistência. Esse é um fenômeno que tem sido 21 Disponível em: <https://www.artsci.com/studentpoll-covid19>.27 bem documentado ao longo de décadas de ensino superior à distância (Cohen, 2017). O único remédio para tal é o acompanhamento individualizado, que provavelmente não está nas mãos de todas as IES ou dos professores. Esse acompanhamento é especialmente importante no caso dos estudantes mais vulneráveis, para os quais pode fazer a diferença entre continuar os estudos ou abandonar o curso. No médio prazo, no entanto, é provável que ocorra um aumento da demanda pela educação superior, que já será fortemente sentida a partir do próximo ano letivo. As causas dessa retomada são fundamentalmente alheias ao setor e estão relacionadas ao fenômeno da busca por refúgio em um contexto de recessão econômica. Muitos jovens solicitarão acesso ou retornarão à educação superior, principalmente nos casos em que as taxas são baixas ou inexistentes, tentando assim tomar posições diante da recessão econômica e do aumento do desemprego que muito provavelmente será enfrentado nos próximos anos. Algumas IES já viram nessa hipótese uma oportunidade e estão oferecendo seus cursos de pós-graduação à distância a preços muito abaixo do normal para estimular a demanda, captando a atenção de novos estudantes. Resta saber como esses estudantes se comportarão com a volta à normalidade. É previsível que uma parte desse aumento da demanda, especialmente daqueles que buscam uma requalificação, seja direcionada para o ensino à distância, que há anos vem experimentando um grande crescimento na região da ALC. A cobertura dessa modalidade cresceu 73% desde 2010, enquanto a cobertura da modalidade presencial aumentou apenas 27%. Em 2010, quase 2,5 milhões dos 21 milhões de estudantes universitários de graduação da região estavam estudando à distância, o que representa 11,7% do total. Em 2017, essa modalidade de ensino representava 15,3% do total e abrangia 4,3 milhões de estudantes. Entretanto, a inserção dessa modalidade é ainda incipiente e extremamente desigual entre os países da região, devido às desigualdades econômicas e sociais que afetam o acesso e a permanência, bem como à exclusão digital, ou seja, ao acesso desigual às tecnologias de comunicação e informação (TIC). Na região, o Brasil é o país com a maior participação da modalidade de graduação à distância. Em 2017, 21,2% das matrículas foram em cursos não presenciais, proporção que aumentou para 14,7% em 2010. Essa forma de ensino também ganhou terreno na Colômbia, na Espanha e no México, onde, em 2017, abrangia entre 14% e 18% dos estudantes.22 O comportamento da oferta Ainda é muito cedo para se estimar como irá se comportar a oferta da educação superior. Provavelmente, se toda a oferta fosse pública, seria fácil prever que o número de centros e programas dificilmente se reduziria. Entretanto, as IES públicas reabrirão em um contexto já em plena recessão econômica e são esperados cortes significativos no investimento público em educação, como os experimentados durante a crise financeira de 2008. De fato, os compromissos de gastos sociais assumidos na gestão da crise pandêmica, juntamente com a diminuição da receita tributária como resultado da redução da atividade econômica, levarão a uma reconsideração de alguns itens dos gastos públicos. Embora seja possível que muitos países desejem reagir não com ajustes, mas com políticas de estímulo, é provável que sua capacidade financeira seja limitada por algum tempo. Ainda não é possível prever até que ponto a totalidade ou parte da atividade de educação superior será vista como uma oportunidade para estimular o crescimento econômico. Contudo, em muitos países, a oferta é mista (pública e privada) e, dentro dela, há instituições com e sem fins lucrativos. Assim como é fácil perceber que no caso da oferta pública não 22 Relatório de Situação nº 6 do Observatório de Ciência, Tecnologia e Sociedade da OEI.28 haverá mudança no número de IES, também é mais provável que a oferta privada com fins lucrativos e de baixa qualidade tenha dificuldade em sobreviver e seja forçada a um movimento de consolidação e consequentemente de redução do seu número no curto prazo. A competição entre instituições será exacerbada e, de fato, já está começando a ocorrer em alguns países. Na Colômbia, os anúncios de uma diminuição de 10, 15, 20, 25% ou mais das matrículas para o próximo semestre também não parecem ser a melhor saída; por outro lado, a pressão aumenta com a rejeição dos estudantes, que criticam as medidas, rejeitam os esforços das IES e exigem que as taxas sejam reduzidas de maneira considerável, com base no fato de que devem ser muito mais baratas as inscrições nos programas presenciais forçados à virtualidade, como consequência equivocada da falta de debate do sistema sobre o que é virtualidade. No médio prazo, ao contrário, é bem possível que a retomada da demanda leve a um novo crescimento também nesse tipo de oferta. Por outro lado, a oferta das IES privadas de maior qualidade implica custos mais elevados que podem torná-las mais vulneráveis. É de se esperar que ocorram mudanças na oferta em termos de modalidade de ensino e que muitas universidades que não ofereciam programas de ensino à distância decidam compensar o esforço que estão fazendo agora para expandir sua capacidade de oferecer programas online. A governança do sistema Embora o conceito de gestão em rede não seja novo e seu significado original tenha pouca relação com os componentes tecnológicos (Dal Molin; Masella, 2016), o confinamento e a quarentena, por circunstâncias imperativas, têm trazido à tona formas de comunicação política provavelmente mais condizentes com o século XXI. Também estão surgindo mecanismos de governança não presenciais com grande potencial para se tornarem fórmulas de gestão permanentes, muito mais ágeis e eficientes, graças à tecnologia. Em princípio, a experiência forçada com novas formas de comunicação e governança mostra que a quantidade de reuniões presenciais pode ser drasticamente reduzido sem afetar a qualidade das decisões ou a probabilidade de se chegar a um consenso entre os envolvidos. Além disso, também parece claro que a circulação de documentos pode ser perfeitamente limitada aos circuitos digitais, de forma a diminuir o uso de documentos impressos. Em ambos os casos, a redução econômica direta, que inclui a redução de viagens e seu impacto ambiental, não é irrelevante. Além desses dois exemplos, podem ocorrer outras modificações que aumentem a agilidade, a eficiência e que sejam resultado de experimentos forçados pelas circunstâncias? As mudanças nos formatos causarão impacto nos mecanismos de administração e gestão do setor de educação superior? Estas são perguntas cujas respostas serão conhecidas somente após a crise, mas há, sem dúvida, uma oportunidade de melhorar a gestão universitária, aproveitando ao máximo o teletrabalho e reduzindo as ineficiências típicas dos sistemas mais ultrapassados sob modelos de gestão arcaicos ou excessivamente burocráticos.29 2. Políticas públicas e respostas institucionais Uma vez tomada a decisão de suspender temporariamente as aulas, há espaço para o desenvolvimento de políticas públicas destinadas a acompanhar todos os envolvidos, para facilitar a continuidade da atividade acadêmica. Esta seção analisa, em primeiro lugar, as outras medidas que foram tomadas para preservar o direito à educação e, em segundo lugar, como as IES estão criando respostas institucionais para continuar mantendo as atividades educacionais apesar dos fechamentos. A. Políticas públicas Uma das dificuldades prototípicas do setor de educação superior para o desenvolvimento de políticas públicas diz respeito ao fato de que, com poucas exceções, as IES desfrutam de altos níveis de autonomia, a qual, em alguns países, é assegurada pela Constituição. Por essa razão, alguns governos, particularmente em países de configuração federal como a Argentina, onde os governos estaduais também têm competência no que se refere à educação superior, embora as disposições de confinamento não tenham entrado em vigor, não conseguiram ir além do estabelecimento de uma série de recomendações; em outros casos, como o Brasil ou o México, os governos optaram por não ir além disso. Porém, o caráter excepcional da crise também levou a algumas propostas que são totalmente impossíveis em condições normais. Assim, o Parlamento da Nova Zelândia, para combater a crise, decidiu que o governo deveria assumir a direção de todas as escolas e universidades do país, em uma resolução que visa a facilitar decisões urgentes diante de um fechamento antecipado dessas instituições por quatro semanas. O ministro da Educação, assumindo esses poderes emergenciais, emitirá as ordens que considerar apropriadas também em relação à mudança dos métodos de ensino. Em condições normais, as políticas públicas para o setor exigem mecanismos de consulta que geralmente levam tempo para construir um consenso amplo. Esta característica do setor provavelmente explica porque tem sido tão difícil para os países desenvolver planos nacionais de contingência; mas, apesar de tudo, deve-se reconhecer que, em praticamente todos os países, esses esforços de acordo têm sido muito bem recebidos pelos conselhos universitários e pelas redes de IES – tanto públicas quanto privadas –, que participam ativamente da configuração de comitês de coordenação que buscam contribuir para detectar as necessidades das próprias IES, a fim de garantir a continuidade educacional, compartilhar e atualizar informações e combinar respostas políticas através de consultas recorrentes. De fato, a maioria dos países está elaborando recomendações e diretrizes para as IES, algumas das quais estão orientadas principalmente para apoiar a transição para a modalidade virtual com critérios pedagógicos, como é o caso do Peru. No Equador, a crise sanitária coincidiu com um momento em que a Secretaria de Educação Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (Senescyt) está fomentando o ensino à distância e, consequentemente, várias atividades estão sendo desenvolvidas nas IES do país para modernizar os recursos tecnológicos e avançar na oferta de diplomas nessa modalidade. Contudo, neste momento, apenas o Chile tem avançado com um plano de ação nacional para enfrentar as consequências da COVID-19 na educação superior, apresentando, de forma abrangente, diversas linhas de ação que abarcam desde aspectos relacionados ao apoio tecnológico e pedagógico até aspectos financeiros, pensando fundamentalmente nos estudantes bolsistas. A resposta chilena provavelmente tem muita relação com os efeitos das mobilizações sociais e estudantis que antecederam imediatamente à pandemia da COVID-19.30 Por enquanto, deixando-se de lado a exceção do Chile, os países tenderam a se limitar a três iniciativas: a) medidas administrativas para salvaguardar o funcionamento do sistema; b) recursos financeiros; e c) a disponibilização de recursos para dar continuidade às atividades de formação. Medidas administrativas Em geral, os governos responsáveis estão empenhados em tomar medidas administrativas para salvaguardar o funcionamento do sistema: por exemplo, mudanças nos calendários de matrícula e provas, para facilitar seu reagendamento, ou nos procedimentos em andamento para certificação ou garantia de qualidade. Os efeitos nos calendários acadêmicos já estão sendo sentidos ao redor do mundo. Os exames do Bacharelado Internacional (IB) foram cancelados pela primeira vez na história. Também foram cancelados os exames de março e maio para o Teste de Aptidão Escolar no Exterior (SAT), o teste de referência para acesso a muitas escolas de educação secundária superior norte-americanas, administrado pelo US College Board; resta saber o que acontecerá com uma convocação para junho. A China cancelou localmente as provas para o SAT, o Test of English as a Foreign Language (TOEFL), o Graduate Record Examination (GRE) e o Graduate Management Admission Test (GMAT). Outros países, neste momento principalmente asiáticos, que adiaram os exames de ingresso no ensino superior para julho são: China, com quase 11 milhões de estudantes afetados, Coreia do Sul, Indonésia e Hong Kong. Na América Latina, as mudanças são igualmente substanciais. No Equador, a publicação do resultado de vagas para as várias IES foi suspensa por enquanto, a fim de evitar que os estudantes se dirigissem a cybercafés para consultar seus resultados. Na Colômbia e no Paraguai, onde a regulamentação sobre ensino à distância requer credenciamento prévio para que este possa operar, foi imediatamente tomada a decisão de autorizar a mudança temporária de modalidade enquanto as IES estiverem fechadas, para que os cursos possam ser ministrados à distância sem a necessidade de procedimentos administrativos adicionais. Em alguns países, como na Itália, já foi adotada a política de aprovação geral, por ser considerada um mal menor. No âmbito institucional, a Universidade de Oxford também optou por essa solução. Recursos financeiros Nos Estados Unidos, foi criado um Fundo de Resposta a Emergências da Educação Superior como parte do pacote de estímulo econômico de US$ 3 trilhões, que incorpora US$ 14,5 bilhões (aproximadamente metade do total de US$ 30,75 bilhões para a educação). Porém, embora o número possa parecer muito significativo, o setor tem respondido com críticas, argumentando que esse valor somente cobrirá as necessidades mais imediatas de curto prazo, sem visão de médio prazo. Noventa por cento (90%) desses fundos irão diretamente para as IES com altas porcentagens de estudantes bolsistas (pell grants) e, portanto, de baixa renda. Nesse sentido, a Lei de Auxílio Econômico, Ajuda e Segurança de Coronavírus (CARES) suspende temporariamente, de 13 de março de 2020 a 30 de setembro de 2020, os pagamentos mensais (chamando tecnicamente de “indulgência administrativa”) de todos os empréstimos do Departamento de Educação. A suspensão é automática; os mutuários não precisam solicitar ajuda, embora as pessoas ainda possam optar por fazer pagamentos mensais. Para os devedores inadimplentes, a lei suspende a cobrança involuntária de pagamentos por meio de penhora de salários e confisco de restituições de impostos até o final de setembro. A lei também define a taxa de juros em zero por cento durante esse período. Embora a lei CARES também proporcione algum alívio monetário,31 o Conselho Americano de Educação classificou como “insuficientes” os US$ 14 bilhões alocados ao setor de educação superior, alertando que será necessário atingir a marca de 50 milhões. No momento, a dívida não foi perdoada, embora haja muitas vozes que a exigem. A orientação da Austrália tem sido diferente. Lá, cerca de 230 mil estudantes deverão receber ajuda direta como parte do pacote de estímulo de AUS$ 40 bilhões lançado pelo governo federal. Pelo menos em parte, essas bolsas servirão para compensar a perda de renda direta de empregos de meio período que muitos estudantes do país têm. Na Noruega, onde também são muito comuns os empregos em meio período, o governo decidiu adiantar transferências para estudantes com empréstimos, mas não perdoou dívidas nem ofereceu crédito sem custo financeiro. O Conselho de Reitores da Alemanha solicitou a criação de um fundo de emergência para estudantes, em especial os 100 mil estudantes estrangeiros que trabalham em meio período. Também foram solicitadas contribuições financeiras temporárias para todos os estudantes. Por enquanto, o Chile é o único país da região da ALC, onde foram feitas provisões financeiras para atender, em primeiro lugar, às necessidades dos estudantes que têm algum tipo de bolsa de estudo ou apoio financeiro e que, pelos cancelamentos das atividades presenciais, podem se encontrar em uma situação difícil, uma vez que seus benefícios exigem mensalidades e presença na IES correspondente. Em segundo lugar, o Chile também redirecionou recursos públicos já disponíveis para o fortalecimento das universidades estaduais (na ordem de 30 milhões de pesos) para promover a criação de uma rede estadual de ensino à distância e, ao mesmo tempo, favorecer projetos de inovação educacional, completando esses fundos existentes com o equivalente a um terço adicional (10 milhões de pesos). Na Argentina, foram instituídas a “suspensão” ou a “dispensa” (ambos os termos usados de forma indistinta em vários regulamentos) de ir ao local de trabalho e desenvolver as tarefas acadêmicas em casa, sempre que possível. Isso permitiu que todo o sistema educacional tornasse a educação virtual. Todas as universidades argentinas começaram a virtualização, algumas mais tarde (Universidade de Buenos Aires, por exemplo) do que outras. Apoio à continuidade da formação O princípio orientador fundamental das políticas governamentais em educação tem sido fazer todo o possível para garantir a continuidade das atividades docentes, o que tem se traduzido em diferentes iniciativas em três frentes distintas: plataformas, formação de professores e conteúdos digitais. A primeira e mais importante área de iniciativas é a promoção da implementação de soluções tecnológicas de emergência para dar continuidade à formação dos estudantes. Basicamente, a atenção tem tido como foco disponibilizar mecanismos e recursos tecnológicos para a realização de cursos à distância às IES que carecem de suas próprias plataformas de educação virtual, garantindo assim uma infraestrutura mínima neste sentido. Esse tem sido o caso, por exemplo, da Argentina, do Brasil e do Chile. Enquanto neste último país foi oferecido acesso gratuito à plataforma Google Classroom, graças a um acordo comercial com esta empresa, pensando-se nos cerca de 19 mil estudantes universitários das IES que não possuem plataforma própria, no Brasil foi tomada a decisão de ampliar a capacidade da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) para, dessa forma, poder-se oferecer uma maior capacidade de aulas por videoconferência para universidades e institutos federais. Na verdade, essa capacidade foi aumentada em 50% para permitir agora até 10 mil acessos simultâneos à plataforma, abrangendo um total de 123 mil estudantes.32 Alguns dados são indicativos do volume de atividades que algumas instituições de educação superior estão desenvolvendo no ensino à distância. Por exemplo, na Universidade de São Paulo (USP) são realizadas 12 mil videoconferências por dia no Google Meet, 210 defesas de teses e 170 de pós-graduações. São 45 mil acessos por dia, em média, às e-disciplinas (o ambiente para atividades à distância) e 11 mil às salas de aula eletrônicas (um repositório de vídeos de ensino), duas plataformas que possuem funções complementares na USP. É importante destacar a ausência quase total d referências a outros meios de ensino à distância cuja eficácia é comprovada, como o rádio e a televisão (Laaser; Toloza, 2017; Xiao, 2018). Por enquanto, o único país no qual o governo lembrou a importância desses meios de comunicação foi o México, que é um país com uma longa tradição nesse campo, particularmente por meio da Telesecundaria. Em outras regiões, particularmente na África, o uso da televisão foi levado em conta desde o início; no Marrocos, por exemplo, o popular canal esportivo Arryadiaya começou a transmitir aulas universitárias no dia 25 de março. O segundo elemento crucial para se garantir a continuidade das atividades docentes é a própria habilidade dos professores de operar em ambientes virtuais tecnológicos altamente complexos, para os quais eles não estão – nem precisavam estar – necessariamente preparados. No Peru, o governo sugeriu diretrizes precisas de ação para as universidades públicas, com base na recomendação de iniciar a desenvolver uma análise situacional ou de capacidade institucional. Alguns países, como a Argentina, por meio do Instituto Nacional de Formação Docente, estão dando seguimento a medidas de apoio tecnológico com o necessário acompanhamento no desenvolvimento de competências pedagógicas para a educação virtual. A Universidade da República (Uruguai) tem feito o mesmo para promover o melhor aproveitamento do ambiente de aprendizagem virtual (EVA). Infelizmente, essas iniciativas não estão sendo replicadas de forma ampla em outros países. No Chile, o governo decidiu facilitar a criação de uma aliança, apoiada por nove universidades públicas e privadas, para divulgar boas práticas e, ao mesmo tempo, oferecer apoio na área de formação de professores às demais universidades que solicitarem, por meio de um mecanismo administrado pelo Ministério da Educação. Finalmente, o terceiro elemento é o conteúdo didático. Como será discutido a seguir, as IES também partem de situações muito diferentes neste campo. Embora as soluções adotadas pareçam, em sua maioria, estar voltadas para favorecer as aulas por videoconferência, as IES que têm suas próprias plataformas têm a vantagem de dispor de um acervo significativo de recursos para o ensino digital cuja disponibilidade e qualidade podem ser determinantes. Apesar de parecer lógico que esses recursos, em uma situação de crise, seriam reunidos e que os governos produziriam, se não incentivos, mas pelo menos as oportunidades de criá-los, a verdade é que apenas o Chile e o México avançaram nesse sentido. Este último país, em particular, propôs que a Universidade Nacional Aberta e à Distância se tornasse um repositório nacional. Por sua vez, o Ministério das Universidades da Espanha, em colaboração com a Universidade Nacional de Educação a Distância (UNED) e com a Universidade Aberta da Catalunha (UOC), criou uma plataforma (Conectad@s: la Universidad en Casa), com recursos para o ensino à distância e guias para apoiar o corpo docente no processo de migração do modelo presencial para o modo online.23 B. Respostas institucionais A velocidade com que a crise se desencadeou dificulta o acesso aos dados que fornecem uma ideia das múltiplas respostas produzidas a partir das IES. Os resultados de uma pesquisa realizada om reitores e presidentes de 172 IES dos Estados Unidos sobre os impactos da COVID-1924, realizada 23 Disponível em: <https://www.uned.es/universidad/inicio/uned_uoc_solidaria.html>. 24 Disponível em: <https://www.insidehighered.com/booklet/responding-covid-19-crisis-survey-college-and-university- presidents>.33 entre 17 e 19 de março, mostram que nove em cada dez IES têm como preocupação imediata a saúde e o bem-estar socioemocional de estudantes e trabalhadores, docentes ou não docentes. No entanto, apenas duas em cada dez informam ter implementado medidas específicas nessa área. A mudança de modalidade não é isenta de preocupação por parte dos líderes universitários, uma vez que oito em cada dez estão convencidos de que reter estudantes para seguir cursos online é extremamente problemático. Isso pode se traduzir em perdas de estudantes que não mais retornarão às IES quando estas reabrirem suas portas. O caso do Chile é especialmente complexo, pois o país viveu uma situação de crise política e social, além de protestos estudantis que, no final de 2019, haviam dificultado o processo de ingresso à educação superior na coorte de 2020. Dados do Ministério da Educação informam que pelo menos 20 mil vagas das universidades não foram preenchidas pelos candidatos. O exposto acima, somado ao fato de que o sistema universitário é financiado sobretudo pela contribuição dos estudantes e de suas famílias, pode ameaçar a sustentabilidade de algumas instituições. Outras áreas de preocupação são o acesso dos estudantes às tecnologias e plataformas necessárias (76%) e a capacidade real das instituições, em termos tecnológicos e pedagógicos, de oferecer educação online de qualidade (75%). Muitos reitores e diretores admitem que a mudança de modalidade foi realizada em uma situação de emergência imprevisível e que, a partir de agora, eles devem planejar a próxima etapa do ensino online com maior apoio pedagógico e recursos, antecipando que a duração da crise irá além de um período acadêmico. Desde o início, as respostas institucionais abrangem diferentes áreas: a frente estritamente sanitária, o ajuste dos calendários, a contribuição da pesquisa e desenvolvimento (P&D) para mitigar a pandemia, a garantia de continuidade das atividades de formação por meio do ensino à distância, o apoio de recursos bibliográficos e tecnológicos e, por fim, o apoio socioemocional à comunidade universitária. As respostas em cada uma dessas áreas são discutidas a seguir. Frente sanitária Desde o início da pandemia, a maioria das IES tem tomado medidas exemplares para salvaguardar a saúde nos campi e nos edifícios. Essas medidas incluíram campanhas de informação, mobilidade reduzida e, em muitos casos, o cancelamento progressivo de eventos e reuniões. Entretanto, a validade das medidas foi logo sobrepujada por eventos que forçaram a suspensão de todas as atividades presenciais quase uma semana após os primeiros casos de infecção terem sido detectados. Existem, contudo, algumas exceções, particularmente para o pessoal administrativo ou não acadêmico cujas atividades são fundamentais para o funcionamento básico das IES e que nem sempre podem ser realizadas a partir do confinamento domiciliar. As faculdades e escolas de medicina, enfermagem e farmácia merecem uma menção especial, especialmente aquelas ligadas a clínicas e hospitais universitários que, desde o início, longe de cancelar suas atividades, foram colocadas a serviço das autoridades de saúde pública em todos os países. A Universidade do Vale, na Colômbia, disponibilizou um questionário a seus estudantes e a todo o seu pessoal para que relatassem os sintomas da COVID-19 ao Serviço de Saúde da universidade, que lhes proporcionaria os cuidados de saúde necessários em cada caso. A Universidade Complutense de Madri oferece suporte a laboratórios e ao pessoal especializado para a realização de diagnósticos de PCR. Algumas vezes, essas iniciativas foram realizadas com base em uma perspectiva inovadora, como foi o caso do hackaton, um encontro de programadores com o objetivo de desenvolver projeto colaborativo de software, organizado pela Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, para coletar possíveis respostas a todos os tipos de desafios levantados pela pandemia. Iniciativas similares, como na Bolívia, também foram objeto de convocatórias34 nacionais. No caso chileno, o Ministério do Interior convocou uma “Mesa Social da COVID-19”, composta por equipes do governo, de municípios, de representante da Organização Mundial de Saúde (OMS Chile), do Colégio Médico e dos reitores, ambos médicos, da Universidade do Chile e da Universidade Católica. A Universidade Católica trabalha no projeto de um marco ético para o tratamento adequado e o cuidado dos pacientes no contexto da pandemia. Ajustes de calendários Existe incerteza não apenas sobre quando as aulas presenciais poderão ser retomadas, mas também quanto aos exames, aos procedimentos de avaliação e, é claro, às matrículas que fazem parte do ciclo de qualquer ano acadêmico. No momento, é impossível realizar qualquer previsão. As IES com competência nessa área adiaram os principais marcos do calendário acadêmico, em consonância com as disposições de confinamento e quarentena dos governos correspondentes, o que nos países mais ao sul está resultando no adiamento do início do ano acadêmico. No entanto, parece claro que o retorno à normalidade ocorrerá de forma muito progressiva, que, provavelmente, implicará em um certo grau de virtualização. Por exemplo, as universidades italianas esperam abrir suas portas em setembro, ou seja, no início do ano acadêmico de 2020-2021, assim como muitas universidades espanholas. De acordo com uma pesquisa recente, 60% das universidades dos Estados Unidos estão considerando ou já decidiram permanecer completamente online durante o outono de, quando se inicia o ano acadêmico. São muitas as implicações dessa decisão, entre elas, cabe destacar uma perda notável de matrículas, pois muitos estudantes talvez optem por não se matricular. Isso ocorrerá em maior proporção no caso dos estudantes estrangeiros, que pagam para estudar nos Estados Unidos mais do que pagariam se ficassem em seus países de origem, e mais do que os colegas de classe norte-americanos.25 Um elemento muito importante na implementação da continuidade das atividades é a segurança administrativa. Habituados a frequentar balcões físicos de atendimento ao público, agora os estudantes podem se ver perdidos com as inevitáveis mudanças administrativas. A fim de facilitar o atendimento adequado aos estudantes, a Universidade de Cartagena, na Colômbia, criou três ambientes virtuais para questões administrativas, procedimentos acadêmicos e bem-estar dos estudantes. A necessidade de manter, na medida do possível, uma certa normalidade administrativa para evitar males maiores ou para evitar a suspensão de atividades muito importantes para a vida universitária também tem levado a algumas inovações dignas de nota. Na Universidade Nacional de Córdoba (Argentina) foi realizada uma cerimônia virtual de graduação da faculdade de ciências exatas, físicas e naturais. A contribuição da P&D Nem todas as IES têm o mesmo capital de P&D. Em todo o mundo, muitas IES reagiram à pandemia integrando grupos de pesquisa para apoiar os esforços governamentais em vigilância epidemiológica, testes clínicos de medicamentos, testes de detecção rápida de vírus etc.; da mesma forma, grupos foram integrados para produzir equipamentos biomédicos, como respiradores e outras ações de inovação. Na América Latina, grandes universidades públicas e privadas com capacidade de pesquisa redobraram seus esforços em matéria de coronavírus. Nos casos onde existe capacidade de produção, as IES estão realizando contribuições significativas para os sistemas nacionais de 25 Disponível em: <https://www.aacrao.org/docs/default-source/research-docs/press-snapshot/press-snapshot-aacraound ergraduate-enrollment-indicators-and-admissions-practices-impacted-by-covid-19.pdf>.35 saúde. Na Argentina, assim como no Brasil, Colômbia, Costa Rica, Honduras, México e Uruguai, muitas universidades nacionais começaram a oferecer serviços e produzir artigos necessários para lidar com os impacto da pandemia. Por exemplo, várias delas começaram a produzir álcool gel, máscaras protetoras e respiradores. Quase todas estão desenvolvendo campanhas para promover medidas de prevenção nas comunidades próximas aos seus campi e, da mesma forma, estão colaborando com órgãos do Estado nesse tipo de iniciativa, bem como em outras dedicadas a garantir condições de saúde e nutrição adequadas. Muitas universidades possuem hospitais que estão recebendo pacientes. Outras estão trabalhando por conta própria e/ou em colaboração com o Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) para acelerar as pesquisas em busca de uma vacina e de medicamentos paliativos. Além das pesquisas relacionadas à crise, existem outras áreas que requerem as competências da educação superior para produzir novos conhecimentos e desenvolver novas habilidades. Uma delas, entre outras, é justamente a educação. Neste momento de crise não é possível quantificar o aprendizado que está sendo produzida, tanto no âmbito pedagógico como nos âmbitos econômico, psicossocial etc. Certamente, em um futuro próximo será possível aproveitar o conhecimento que está sendo produzido pelo aprendizado, em alguns casos “forçado”, que esta situação está ocasionando. Assim, pode ser concebido um sistema de alerta antecipado para prever e mitigar os efeitos de crises como essa nos sistemas educacionais e na aprendizagem dos estudantes, docentes e nos próprios sistemas. Sem dúvida, muitas pesquisas também serão realizadas sobre os efeitos desta crise em áreas como sustentabilidade ambiental, indústria, economia e outras. Continuidade das atividades de formação A maioria das IES optou por continuar oferecendo os cursos comuns por meio de plataformas virtuais e sempre com a garantia de transferência de crédito. Aqui, porém, há uma enorme diferença entre as IES que têm capacidades próprias, tanto do ponto de vista tecnológico quanto dos recursos didáticos e, sobretudo, professores experientes, e aquelas que não têm tais recursos. O gráfico a seguir revela a situação das principais universidades brasileiras no final de abril e mostra que quase um quarto dos estudantes não tinha a continuidade pedagógica garantida totalmente. De fato, 13% dos estudantes ainda não tinham nenhum tipo de provisão após mais de um mês de a pandemia ter sido declarada. A complexidade da situação é ainda mais evidente na comparação dos dados de acordo com o tipo de IES no Brasil: 97% das particulares possuíam um sistema de educação à distância que abrangia todos os cursos, enquanto que apenas 39% das IES públicas ofereciam esse tipo de ensino. Gráfico 6. Percentual de estudantes da educação superior no Brasil, de acordo com a provisão de ensino à distância de sua instituição, em 24 de abril de 2020 Fonte: amostragem realizada pela UNESCO Brasília (2020). EAD disponível 77% EAD parcial 5% EAD em preparação 0% Sem EAD 5% Suspensão das aulas 13%36 Em termos gerais, pode-se falar em uma continuidade em que ambas as extremidades são descritas seguir. Em um extremo estão as universidades (públicas e privadas) maiores e mais expostas internacionalmente, que já têm uma notável tradição de educação virtual, geralmente integrada ao subsetor de cursos de pós-graduação e extensão. Nesses casos, existe uma plataforma de educação virtual que muitas vezes também é proposta aos estudantes de graduação presencial como complemento didático, no qual é possível encontrar programas, leituras, exercícios e, claro, mecanismos de comunicação entre os estudantes e destes com o corpo docente. Em geral, o uso intensivo dessas plataformas em cursos tradicionais depende sempre da iniciativa dos professores, como foi mencionado anteriormente. Algumas universidades, como a de São Paulo (Brasil), possuem diferentes plataformas para facilitar o acesso aos conteúdos digitais (e-disciplinas) ou para o uso de video-streaming (aulas eletrônicas ou e-aulas), o que oferece a professores e estudantes alternativas complementares. Outras IES, com menor desenvolvimento tecnológico, têm proposto à comunidade docente o uso de meios menos complexos, que também são possibilidades; assim, a Universidade Maior de Santo André, na Bolívia, tem sugerido aos professores o uso de aplicativos genéricos, na ausência de um ambiente virtual, como e-mail, vídeo-chamadas e WhatsApp. Entretanto, mesmo no caso das IES acostumadas ao uso intensivo de tecnologias no ensino, algumas viram a necessidade de preparar professores e estudantes para a transição à virtualização, com tudo o que isso implica em termos de tecnologia e habilidades para o ensino e aprendizagem digitais. Foi o caso da Universidade dos Andes, na Colômbia, que, na semana anterior ao término das atividades presenciais, ofereceu diversos programas de formação para a virtualização do ensino, destinados tanto a professores quanto a estudantes. Outra estratégia tem sido fortalecer as secretarias de educação virtual já existentes nas IES, justamente para garantir um melhor apoio a professores e estudantes, como é o caso da Universidade Nacional de São Marcos, no Peru. Uma indicação da magnitude dos esforços necessários é fornecida por alguns números da Universidade Tecnológica Nacional, na Argentina: foram necessários 20 dias para criar mil salas de aula virtuais, mas, além disso, a universidade, com uma população estudantil de aproximadamente 13,5 mil, é creditada com a participação de cerca de 4,5 mil consultas técnicas e de apoio por dia. No outro extremo das capacidades operacionais à distância estão as universidades privadas pequenas, que têm recursos limitados para lidar não apenas com a mudança da modalidade de ensino, mas, além disso, com sua própria sobrevivência em um contexto que as força a se reorganizar financeiramente. Entre esses dois extremos, é possível encontrar uma grande variedade de situações que depen- dem, fundamentalmente, de duas variáveis: as próprias capacidades institucionais na área de educação virtual, forjadas pela experiência anterior, e o marco regulatório. No ponto em que esse marco regulatório favoreceu a inovação e a experimentação no campo da educação virtual, a situação é bem diferente daquela em que os governos, por diferentes razões, retardaram o cres- cimento da educação superior à distância, como é o caso da Bolívia e do Peru, que, em uma situa- ção como a criada pela crise atual, privaram as IES da capacidade de resposta imediata que existiu em outros lugares. No Peru, foi realizada uma tentativa de preencher a lacuna existente, pelo fornecimento de orientações precisas às IES para analisar sua própria capacidade de virtualização, tomar decisões adequadas curso por curso e se equipar com mecanismos internos para a forma- ção de professores e a garantia contínua da qualidade na prestação da modalidade à distância. Merecem destaque as IES da região da ALC que correspondem a um modelo similar ao das universidades abertas, como a Universidade Nacional Aberta e à Distância, na Colômbia; a Universidade Estadual Distância, na Costa Rica, e os demais membros da Associação Ibero-americana de Educação Superior a Distância (Aiesad). Apesar de muitas também ministrarem cursos na modalidade presencial, elas37 possuem uma ampla experiência no ensino a distância, de modo que seus docentes têm as qualificações necessárias e, sobretudo, seus cursos são projetados especificamente para serem ministrados nessa modalidade e, portanto, sua metodologia e seu conteúdo são totalmente adaptados a ela. O esforço que as universidades estão fazendo para migrar seu ensino para o ambiente virtual não corresponde exatamente ao ensino a distância como concebido e ensinado por essas universidades, no entanto, estão mostrando uma extraordinária predisposição para compartilhar sua experiência com as outras IES da região e apoiá-las no processo de virtualização de seu ensino. Da mesma forma, os grandes provedores de cursos abertos online (MOOCs), como Coursera e EdX, também ofereceram seu apoio às IES que podem ter sua oferta como um complemento adequado. Por exemplo, durante a pandemia, todos os cursos de uma universidade podem se inscrever para oferecer acesso gratuito ao catálogo do Coursera. Até o momento, mais de 2,6 mil universidades em todo o mundo ativaram este programa. Para facilitar a transferência online e oferecer cursos relevantes para os estudantes de maneira rápida, as universidades podem usar o CourseMatch, uma solução de aprendizagem de máquina que captura o catálogo de cursos de uma escola e combina cada um com os cursos Coursera mais relevantes. A ferramenta já fez a correspondência de mais de 2,6 milhões de cursos de 1,8 mil escolas com o MOOCs. Por outro lado, é preciso lembrar que na maioria dos casos, se uma certificação não for solicitada, os cursos oferecidos neste modelo são totalmente gratuitos. O paradoxo é que mesmo nos países onde já existia um marco regulatório favorável à educação virtual e onde as IES conseguiram criar suas próprias capacidades nesse sentido – e, portanto, transferi-las mais facilmente para programas presenciais que agora só podem ser continuados em modo virtual –, nem todas as disciplinas ou programas admitem com a mesma facilidade a necessária transferência tecnológica e didática. O caso mais preocupante é a educação superior técnica e profissional (ETP), que muitas vezes depende de instrumentos e laboratórios para a formação de seus estudantes. Apoio a recursos bibliográficos e tecnológicos Muitas IES perceberam, desde o início, que a mudança para a modalidade virtual comportava riscos consideráveis ao ampliar os efeitos da exclusão digital, deixando sem acompanhamento os estudantes que não dispõem da qualidade dos equipamentos, dos recursos bibliográficos, nem da conectividade necessária para aproveitar a oferta de educação a distância com base em componentes tecnológicos. Na América Latina, as bibliotecas e centros de recursos das IES foram fechadas quando as atividades presenciais foram suspensas e não há evidências da continuidade desses serviços. Pelo contrário, na Noruega e na Suécia, por exemplo, em antecipação aos fechamentos ou mesmo quando já estes estavam decretados, algumas bibliotecas estabeleceram planos de empréstimos temporários para livros didáticos considerados fundamentais para os estudantes que os solicitaram, estabelecendo horários rígidos para o atendimento individualizado. O que é mais frequente, mas sem ser maioria, são as iniciativas de algumas IES que visam a apoiar estudantes que carecem de equipamentos como laptops ou tablets para sessões temporárias. Da mesma forma, as orientações foram estendidas para atender estudantes e professores que necessitam de suporte tecnológico, em especial no uso de plataformas virtuais. O governo do Peru, por exemplo, tem lembrado às IES sobre a importância de se oferecer alternativas para os estudantes que não possuem as ferramentas necessárias para receber o serviço virtual.38 Apoio socioemocional O isolamento acarretado pelo confinamento também tem sido rapidamente identificado por algumas IES, que produziram mecanismos de apoio psicológico e socioemocional para os estudantes. Essa não é uma medida frequente, mas, onde tem sido tomada, geralmente tem envolvido a assistência das faculdades de psicologia ou dos serviços de bem-estar estudantil. Por exemplo, a Universidade Franz Tamayo, na Bolívia, colocou 13 psicólogos à disposição da comunidade universitária, justamente para apoiá-las em situações de isolamento. Da mesma forma, o Centro de Assessoria e Desenvolvimento Humano (Cadh) da Universidade Católica Andrés Bello, na Venezuela, criou um “Grupo de Apoio Psicológico em Tempos de Pandemia” que, com a ajuda de terapeutas e por meio de videoconferências, se oferece para quebrar a dinâmica do confinamento a fim de que os participantes reflitam sobre as próprias experiências e as dos outros, com intenção de ajuda-los a lidar melhor com a angústia e com a ansiedade. Por outro lado, como já indicado, a Universidade de Cartagena (Colômbia) criou um ambiente virtual específico para atenção às questões relacionadas ao bem-estar dos estudantes. Programas de educação continuada Desde o início da crise, as áreas de educação continuada das IES adotaram estratégias diferentes, dependendo de seus recursos e capacidade de gestão. Na maioria dos casos, tanto na América Latina quanto em outras regiões, essas áreas são autossustentáveis e sua sobrevivência depende de sua capacidade de gerar recursos próprios, pois as universidades não possuem financiamento. Desde o início de março, as universidades adiaram as aulas presenciais ou substituíram as plataformas de streaming, assim como aconteceu nos níveis de graduação e pós-graduação; ou tomaram a decisão de virtualizar alguns cursos. As estratégias escolhidas variam, dependendo do grau de virtualidade de seus programas. Esse processo teve de enfrentar várias dificuldades. Por um lado, a redução de matrículas nos programas ou o aumento de pedido de reembolso de taxas ou matrículas devido ao fato de muitos estudantes não estarem dispostos a mudar de modalidade de ensino. Por outro lado, algumas universidades não abrem suas plataformas para programas de educação continuada. Finalmente, os problemas já descritos em relação à formação e educação de professores em estratégias de ensino virtual são exacerbados nos programas de educação continuada, uma vez que grande parte de seus professores não faz parte dos quadros regulares e não podem acessar os treinamentos organizados pelas instituições. Além disso, os programas corporativos, uma linha crescente de desenvolvimento em programas de educação continuada nas IES, foram adiados ou cancelados, o que resultou em uma diminuição significativa em sua arrecadação. De forma geral, as universidades aprofundaram os processos colaborativos que já estavam sendo desenvolvidos por meio de redes internacionais, como Recla, Ruepep ou redes nacionais, como a Rede Chilena de Educação Continuada ou a Rede Peruana. Em todos os casos, as universidades, por meio de seminários online ou reuniões virtuais, compartilharam estratégias de desenvolvimento de programas virtuais e gerenciamento de equipes em tempos de crise. É provável que esta área de formação superior seja bastante afetada durante e após a crise. No entanto, são muito importantes a busca de soluções colaborativas e inovadoras, o desenvolvimento de programas flexíveis e articulados com outros níveis educacionais, a reflexão sobre seus propósitos e sua missão no contexto universitário, além de sua contribuição para as soluções globais que serão necessárias após o término da pandemia. A formação de equipes de saúde em diferentes países pode iluminar decisões futuras. Podem ser considerados como referência os casos como o Centro de Treinamento em Saúde da Universidade de Manresa, em Barcelona, ou o treinamento virtual gratuito oferecido pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Chile a profissionais da área para enfrentar a pandemia.39 3. Estratégia de saída da crise: preparar-se para o dia seguinte Vale lembrar que, como diz o provérbio chinês: “A primavera sempre encerra o inverno”. Embora, por enquanto, o momento de reabertura das IES possa parecer incerto ou indeterminado, isso deve oferecer uma oportunidade para se planejar melhor a saída da crise. A esse respeito, demonstra-se alguns princípios básicos que, segundo a UNESCO, devem orientar as políticas nacionais e institucionais; em segundo lugar, propõe-se como deve ser um ambiente político que, em escala nacional, possa promover uma saída da crise de forma consensual e fundamentada; em terceiro lugar, apresenta-se um marco de referências inspirado nesses princípios que oferece recomendações para o planejamento de ações das IES e, ao mesmo tempo, tentam lançar luz sobre algumas das questões mais controversas. Como lembrado em um relatório recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento sobre políticas públicas para enfrentar a pandemia (Blackman et al., 2020), os tomadores de decisão política devem ser, agora mais do que nunca, pragmáticos, flexíveis e capazes de se ajustar a uma realidade em mudança. A. Princípios básicos Embora os contextos dos países sejam muito diferentes, é importante estabelecer um marco de ação que ajude os processos decisórios do setor da educação superior, sem se esquecer de que a primeira prioridade deve ser a proteção da saúde. Para a UNESCO, esse marco de ação deve ser fundamentado nos seguintes princípios: 1. Assegurar o direito à educação superior para todos, em um marco de igualdade de oportunidades e não discriminação, é a primeira prioridade e, portanto, todas as decisões políticas que afetam, direta ou indiretamente, o setor da educação superior devem ser orientadas por esse direito. A responsabilidade primordial para garantir que esse direito seja exercido na prática é dos Estados, que devem elaborar marcos regulatórios, de financiamento e incentivos adequados, bem como promover e apoiar programas e iniciativas inclusivas, relevantes, adequadas e de qualidade. Em particular, é responsabilidade do Estado criar um ambiente político que, respeitando a autonomia das IES, conduza a uma saída da crise que garanta a segurança da saúde e otimize as condições para que as instituições avancem em qualidade e equidade. 2. Não deixar nenhum estudante para trás, em conformidade com o principal propósito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A crise causa diversos impactos nos diferentes perfis dos estudantes, mas é inegável que ela aprofunda as desigualdades existentes e produz novas desigualdades. É imprescindível atender, prioritariamente, às necessidades pedagógicas, econômicas e socioemocionais dos estudantes que, devido às suas características pessoais ou socioeconômicas, podem ter tido ou estão tendo maiores dificuldades para continuar sua formação em modalidades não tradicionais. 3. Os governos e as instituições de educação superior devem criar mecanismos de coordenação que permitam progredir em conjunto na reprodução de maior resiliência no setor da educação superior diante de crises futuras, qualquer que seja sua natureza. É absolutamente essencial envolver estudantes, docentes e funcionários não docentes na elaboração das respostas exigidas pelas situações de emergência. 4. A retomada das atividades presenciais nas IES deve ser vista como uma oportunidade para se repensar e, na medida do possível, redesenhar processos de ensino e aprendizagem, aproveitando as lições eventualmente trazidas pelo uso intensivo da tecnologia, com foco especial na equidade e na inclusão.40 B. Criar um ambiente político propício a uma saída da crise com qualidade e equidade: a responsabilidade dos Estados Os Estados têm uma responsabilidade fundamental de garantir o direito à educação superior. No contexto da saída progressiva da crise, os governos devem considerar pelo menos quatro eixos: o papel da educação superior na recuperação; a necessidade de forjar consensos nacionais; estabelecer um marco regulamentário claro; e, finalmente, a promoção da cooperação internacional. 1. Contar com a educação superior nos planos de estímulo à recuperação econômica e social A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) esperava para 2020 um crescimento econômico de 1,3%, previsão que, a partir de 23 de abril deste ano, foi revertida por uma contração de –5,3% no produto interno regional.26 Somente a desaceleração da economia chinesa significaria para seus principais parceiros comerciais na região (Brasil, Chile e Peru) que suas exportações cairiam em até 10,7%. Soma-se a isso a maior aversão ao risco dos investidores internacionais e o agravamento das condições financeiras mundiais, situação que terá impacto nos planos nacionais de desenvolvimento em que todas as propostas educacionais estão enquadradas, incluindo a educação superior. A magnitude do impacto econômico da pandemia dependerá de quanto tempo ela vai durar, uma vez que “para cada mês de confinamento há uma perda de 2 pontos percentuais no crescimento anual do PIB”.27 No âmbito econômico e financeiro, o contexto pós-crise exigirá que os governos tomem medidas para reativar a economia, incluindo pacotes de estímulos. Porém, além disso, os países também terão que atender às necessidades de alimentação e saúde, o que se traduzirá em uma forte tendência à redução dos gastos públicos com educação, especialmente nos países onde a dívida pública já era uma preocupação antes da crise. O setor educacional, e em particular a educação superior, deve ser visto como uma ferramenta num contexto de recuperação econômica e, como tal, deve tornar-se parte dos programas de estímulo que são planejados. Trata-se de reconhecer politicamente que educação superior exerce um papel contínuo e essencial na promoção da mobilidade socioeconômica, da inovação e da recuperação econômica. Sobretudo, devem ser entendidas as necessidades de um previsível crescimento da demanda de educação superior no médio prazo, ao mesmo tempo em que devem ser realizados esforços para aliviar os impactos que o empobrecimento de uma parte significativa da população, devido à pandemia (estimada pela CEPAL em 35 milhões de pessoas na região da ALC), pode ter sobre a equidade do acesso à educação superior. Uma parte significativa dos recursos deverá ser destinada às IES, que terão sentido os efeitos da perda das mensalidades, e outra parte substância deverá ser destinado ao apoio financeiro dos estudantes mais vulneráveis, independentemente do setor, público ou privado, em que estejam matriculados. 2. Construir um consenso nacional para uma estratégia de fomento da recuperação e inovação na educação superior Governos, reitores, agências de garantia de qualidade e conselhos nacionais de educação, com a participação de sindicatos de docentes, não docentes e organizações estudantis devem promover o quanto antes um consenso relativo a uma estratégia nacional de saída para a educação superior. Essa estratégia deve não apenas promover a recuperação, nos âmbitos em que os impactos da crise 26 Disponível em: <https://www.cepal.org/es/comunicados/covid-19-tendra-graves-efectos-la-economia-mundial-impactara- paises-america-latina>. 27 OECD, por seu secretário-geral, 23 de março de 2020.41 foram mais fortemente sentidos, mas também aprender com ela e incentivar a inovação, refletindo sobre a validade do modelo tradicional da educação superior. Tal estratégia deve considerar: 1. Princípios e diretrizes compartilhados para garantir a proteção do direito à educação superior. 2. Medidas de auxílio para as IES apoiando seus esforços para diagnosticar, compensar e equiparar os resultados de aprendizagem dos estudantes. 3. Mecanismos para fortalecer a resiliência das IES a futuras crises, com especial atenção ao desenvolvimento de suas capacidades técnicas, tecnológicas e pedagógicas para usar adequadamente metodologias não presenciais, bem como suas capacidades de monitorar os estudantes, em particular os mais vulneráveis. 4. Um debate nacional sobre as lições aprendidas com a crise para a educação superior, aproveitando debates e experiências internacionais e contribuindo para construir, sempre que possível, consensos e acordos regionais e internacionais. 5. Comunicação compartilhada e eficaz das mensagens dirigidas ao público. 3. Dispor de um marco regulatório claro e que produza segurança na reabertura das instituições e comunicar adequadamente para proporcionar essa segurança A situação de excepcionalidade vivenciada por todos os agentes da educação superior traz consigo muitas incertezas sobre o que vai acontecer quando as IES forem reabertas para o ensino presencial. É muito importante que, no contexto de um consenso nacional, as medidas que serão tomadas para salvaguardar a qualidade e a equidade da educação superior sejam anunciadas o mais rapidamente possível, ao mesmo tempo em que se cuida da saúde pública. Por meio da máxima transparência e divulgação, o objetivo consiste em oferecer um marco regulatório que produza segurança nas áreas que suscitam mais controvérsia. Concretamente, deve-se garantir que docentes, pessoal administrativo, pessoal de serviço e estudantes possam se posicionar no novo contexto, e saber antecipadamente sobre as disposições, os processos e os mecanismos projetados para a retomada das atividades de ensino. Especificamente: a. Os exames de ingresso na educação superior devem ser adiados? Em países onde a duração da pandemia afeta o calendário dos exames de admissão, é preferível adiá-los até a última data possível e, apenas quando não for possível esse adiamento, estabelecer mecanismos alternativos para a realização dos exames (por exemplo, estimativa da nota de exame com base nas qualificações obtidas nos anos finais) ou realizá-los por meio de plataformas tecnológicas, o que seria muito complexo. Deve-se dar especial atenção aos mecanismos diferenciados de ingresso que beneficiam populações vulneráveis, para não comprometer a sua realização. A remoção total da exigência do exame pode se tornar um estigma para toda uma geração de estudantes. A opção de conceber fórmulas inovadoras não deve ser descartada; uma opção, que tem sido proposta na Inglaterra, é tomar como base os resultados obtidos durante a educação secundária, estabelecendo-se assim uma previsão da nota que teria sido alcançada, deixando ao estudante a possibilidade de recorrer a uma segunda chamada pública para melhorar o resultado obtido nessa previsão. Esta é uma prática antiga no estado do Texas, EUA, e cada vez mais no Chile e em outros países; em todos esses casos, estudos mostram que seu uso tem uma alta capacidade preditiva para selecionar os melhores estudantes em seus contextos; ao fazê-lo, esses mecanismos contribuem diretamente para o objetivo de inclusão e equidade, uma vez que selecionam os melhores sem discriminação com base em características socioeconômicas, étnicas, de gênero ou quaisquer outras que representem motivos de discriminação;42 b. Todos os estudantes devem começar a frequentar as aulas presenciais ao mesmo tempo? As decisões que já estão sendo tomadas em relação à abertura de escolas em alguns países (Alemanha, China e Dinamarca, por exemplo) mostram que é totalmente impensável que a reabertura recupere os horários e grupos de estudantes que existiam anteriormente. As restrições quanto à distância física entre os estudantes resultarão na divisão de grupos e, inevitavelmente, na redução do número de horas de contato por grupo. Por outro lado, a experiência escolar também mostra que a abertura não afeta igualmente todos os estudantes de todas as séries, mas é dada prioridade àqueles que estão completando um ciclo. No caso das IES, isso se traduziria em dar prioridade ao acesso às salas de aula para os estudantes que estão no último ano antes da graduação. c. Quando e como deve ser realizada a formação prática no local de trabalho? As práticas curriculares externas, por exemplo, as que os reitores das IES espanholas propuseram ser consideradas completas se reservassem tempo para realizar pelo menos 50% antes da suspensão das atividades presenciais. Menção especial deve ser feita para os estudantes das ciências da saúde e da educação, uma vez que seus ambientes típicos de prática provavelmente não funcionarão normalmente até bem depois do fim do confinamento; d. Caso o calendário acadêmico e, especificamente, o semestre já foi dado como terminado, deve ser incentivada a repetição do curso? Caso a cessação das atividades presenciais se aproxime ou exceda um período acadêmico, o debate sobre a repetição de um curso surgirá. Essa opção deve ser descartada, porque seus benefícios para os estudantes e para o sistema são nulos. Ao invés disso, deve-se voltar a atenção para mecanismos de compensação e nivelamento e, eventualmente, a uma extensão da duração do ano acadêmico. 4. Comprometer-se com a cooperação internacional Diante de uma crise que não conhece fronteiras, a cooperação internacional sob a ótica do multilateralismo é mais crucial do que nunca. Essa cooperação é importante no setor da educação superior não somente por seu impacto na mobilidade internacional, mas sobretudo porque é a única forma possível de se aprender mais rapidamente o que funcionou no contexto da crise, por que e em que circunstâncias funcionou, e forjar alianças que, diante de crises futuras, tornem possível agir de forma coordenada e com maior eficiência. Concretamente, a cooperação internacional deve ser orientada para: • incentivar a aprendizagem política entre pares; • construir alianças que favoreçam a robustez dos sistemas de educação superior; • compartilhar recursos e soluções tecnológicas; e • proporcionar uma melhor cobertura jurídica internacional para a mobilidade acadêmica. C. Marco de ação para o dia seguinte: estratégias e medidas recomendadas no âmbito institucional Colocar em prática os princípios anteriores podem ser por meio de estratégias distintas em função dos contextos e também pelo aproveitamento de lições aprendidas a respeito do planejamento educacional para a solução de situações de crise (UNESCO, 2020). É essencial contar com um marco de ação que apresenta a saída da crise como um processo com fases sucessivas, cada uma delas com distintas prioridades. Se bem aproveitada, além de uma nova normalidade, esta solução pode traduzir-se em uma oportunidade de reestruturação da oferta de educação superior de melhor qualidade e com mais equidade.43 O gráfico a seguir apresenta essas fases e suas respectivas prioridades desde uma perspectiva institucional, tomando como pressuposto a hipótese de que existe, em escala nacional, um ambiente político propício a uma solução de crise de qualidade e com equidade, como descrito anteriormente. Gráfico 7. Marco de ação para a saída da crise: fases e prioridades Fonte: UNESCO-IESALC, 2020. No âmbito institucional, é inevitável dedicar a atenção, primeiramente, em como gerenciar os processos, principalmente na continuidade da formação, durante a crise e imediatamente depois dela, até a reabertura das instituições. Contudo, seria conveniente definir, o mais rapidamente possível, o horizonte da reestruturação dos processos de ensino e aprendizagem, aproveitando as lições aprendidas durante a crise. O marco de ação contempla três fases diferentes e as prioridades dos processos que devem permitir a movimentação entre essas fases, que consistem em: 1. Continuar – apesar da crise da saúde, garantindo a prestação do serviço na ausência de possibilidades presenciais; portanto, assegurar a continuidade pedagógica à distância. 2. Reabrir – facilitar a reabertura das IES, com as devidas restrições impostas pelas autoridades de saúde, para retomar as atividades pedagógicas presenciais. Essa é a fase em que a maioria dos atores estabelece o horizonte desejável. REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTUR RCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR44 3. Reestruturar – generalizar um novo modelo de organização dos processos de ensino e aprendizagem, tipicamente híbrido, para melhorar a qualidade e a equidade do serviço, aproveitando as lições aprendidas durante a fase de continuidade pedagógica a distância. Essa é uma oportunidade que talvez nem todas as IES possam vislumbrar e aproveitar. Quais devem ser as prioridades para facilitar uma passagem progressiva e gradual entre cada uma dessas fases? 1. Da continuidade à reabertura Deveria haver duas prioridades: apoiar estudantes e docentes para permitir a continuidade pedagógica com qualidade e equidade e, em segundo lugar, planejar a reabertura de forma adequada. Concentrar os esforços para assegurar a continuidade do processo de formação e garantir a equidade; criar mecanismos eficientes de gestão, monitoramento e apoio, antecipando uma reabertura tardia. O enorme esforço de adaptação às novas modalidades de ensino por parte de professores e estudantes exige igualmente que as IES monitorem como as atividades de ensino são realizadas e as necessidades de todos os tipos que estão surgindo na comunidade acadêmica. Convém, portanto: • ter um gabinete de crise, cuja atenção tenha foco principalmente na continuidade e na equidade, incorporando elementos técnicos e pedagógicos, além da opinião dos principais atores envolvidos; • monitorar e acompanhar diariamente as necessidades que, em cada caso, vierem a surgir; • dar prioridade aos problemas relacionados à falta de equipamentos ou conectividade, oferecendo, na medida do possível, serviços e aplicativos (apps) para telefones celulares; e • assegurar que estudantes e docentes tenham linhas de apoio constantes, seja por telefone ou pela internet. Preparar-se para vários cenários alternativos Semanas depois de suspender as atividades presenciais, talvez seja necessário passar por um período de espera até que as aulas possam ser retomadas. Tomando como referência o que está acontecendo na China e em outros países asiáticos, tudo parece sugerir que a recuperação das aulas presenciais levará mais tempo do que o previsto inicialmente. O fato de as aulas presenciais serem precisamente atividades em grupo, significará que, no contexto de medidas de distanciamento social, seu retorno será esperado; e é muito provável que quando finalmente REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR45 for possível, estará sujeito a condições físicas de distanciamento que podem envolver a divisão de grupos e a criação de horários alternativos. Nessas circunstâncias, os gabinetes de crise das IES devem considerar cenários alternativos, pelo menos em relação a três fatores: • todos os efeitos (organizacionais, pedagógicas) que podem levar a um adiamento da reabertura para além de um período acadêmico, seja ele o primeiro ou o último termo, dependendo do calendário de cada país; • as restrições sanitárias, que, muito provavelmente, estarão presentes na reabertura das IES e exigirão ajustes das salas de aula, dos equipamentos, do horário de ensino, dos serviços complementares de ensino (como bibliotecas) e dos serviços não didáticos (academias, lanchonetes etc.). É importante fazer previsões rapidamente para tomar medidas antecipadas. Inevitavelmente, esses ajustes também terão implicações na quantidade e na dedicação do corpo docente; e • as implicações que todas as alternativas anteriores terão nas finanças das instituições, em um contexto de diminuição da demanda, de menor disponibilidade de recursos familiares e, talvez, de diminuição do investimento público. 2. Da reabertura à reestruturação Levando-se em conta que nem todas IES terão capacidade para realizar esse processo, as prioridades devem ser: recuperar, por meio de estratégias compensatórias, a perda das aprendizagens, com especial atenção aos estudantes mais vulneráveis que se encontram em condições difíceis de continuidade pedagógica e, em segundo lugar, replanejar os processos de ensino e aprendizagem com vistas à hibridização, ou seja, a combinação de atividades presenciais e não presenciais. Planejar medidas pedagógicas para avaliar de maneira formativa e produzir mecanismos de apoio à aprendizagem de estudantes em desvantagens Como validar as aprendizagens realizadas à distância? A recomendação inevitável é que sejam aplicados testes de avaliação diagnóstica em cada um dos cursos, a fim de colocar o nível de competência de cada estudante em relação ao que seria razoavelmente esperado. É muito importante que esses testes sejam formativos, no sentido de orientar as respostas dos docentes, e que possibilitem diferenciar de forma adequada os diferentes níveis de aproveitamento dos estudantes. Embora existam ferramentas de avaliação tecnológica muito robustas, parece mais aconselhável e mais fácil de gerenciar e modificar os instrumentos para favorecer uma avaliação mais aberta e assíncrona. Nesse sentido, existem algumas estratégias que, apesar de raras na educação superior, podem dar bons frutos, tais como: • tutoria individualizada; • pequenos grupos de aprendizagem para nivelamento em disciplinas que são fundamentais devido a seu caráter instrumental; e • escolas de verão (ou de inverno) que ofereçam palestras complementares. Inevitavelmente, a implementação de iniciativas como essas tem um custo associado considerável, mas os benefícios, em termos de qualidade de aprendizagem e equidade superam em muito os custos. REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR46 Documentar, refletir, generalizar 1. Documentar as mudanças pedagógicas introduzidas e seus impactos As IES devem, em um exercício de transparência, documentar desde o início as medidas e mudanças realizadas para promover o ensino a distância para os estudantes. Nesse sentido, podem ser muito úteis diretrizes e recomendações como as distribuídas pelo Departamento de Educação dos Estados Unidos ou pelo Ministério da Educação do Peru. Essa documentação provavelmente será exigida em algum momento pelos órgãos de garantia de qualidade para certificar os processos. 2. Promover reflexão interna sobre a renovação do modelo de ensino e aprendizagem Finalmente, as IES poderão perder uma grande oportunidade se não pararem para refletir internamente, com a participação de estudantes e docentes, sobre as lições aprendidas durante a crise a respeito dos processos de ensino e aprendizagem. A questão central é se a experiência adquirida pode ser capitalizada para um redesenho desses processos, maximizando as vantagens das aulas presenciais e aproveitando ao máximo as tecnologias; e, em segundo lugar, até onde cada instituição deseja ou pode ir. Essa reflexão poderá ser melhor realizada se as IES tiverem departamentos de inovação e apoio pedagógico, cujo papel é desenvolver as competências pedagógicas dos docentes e promover a inovação pedagógica, além de acumular e disseminar as evidências resultantes de sua avaliação. É costume dizer que em toda crise sempre há uma oportunidade. Talvez, neste caso, seja o da revisão pedagógica. Espera-se, nesse sentido, que muitas IES embarquem no caminho de uma renovação pedagógica necessária, que favoreça tanto a qualidade quanto a equidade. 3. Aprender com os erros e aumentar a escala de digitalização, hibridização e aprendizagem ubíqua. Muitos países cometeram o erro de confiar exclusivamente na educação online, o que garante oportunidades apenas para jovens bem equipados e conectados para continuar aprendendo. O uso de tecnologias que requerem conectividade estável e de banda larga tem um impacto particular sobre os mais vulneráveis. O acesso à internet nem sempre é possível e, quando o é, muitas vezes falta conectividade. As aulas que são transmitidas em streaming, por exemplo, são mais difíceis de serem acessadas devido à quantidade de dados que gastam e da qualidade da conectividade que exigem. Nesse sentido, a virtualização tem um impacto especial sobre os estudantes social e economicamente em desvantagem e que só recentemente se beneficiaram dos processos de democratização e massificação no ingresso à educação superior. Como a virtualização é a principal ferramenta educacional para sustentar o funcionamento da educação, também deve ser considerada a enorme exclusão digital. Sua existência deve ser reconhecida, não para impedir a virtualização, mas para se elaborar estratégias e mecanismos de apoio que ajudem a combatê-la de forma ainda mais intensa. Pensando no futuro, devemos partir do princípio do realismo e criar estratégias que não dependam apenas de uma única tecnologia, mas que combinem várias para alcançar todos os estudantes ou, o que é igualmente importante, que as soluções tecnológicas não prejudiquem ainda os que já estão em desvantagem. Cada IES, e provavelmente cada disciplina, deve encontrar a combinação mais apropriada de tecnologias e recursos para aumentar o impacto pedagógico. REPLANEJAR APOIAR PLANEJAR RECUPERAR REABRIR REESTRUTURARCONTINUAR CONTINUAR REABRIR REESTRUTURAR PLANEJAR APOIAR REPLANEJAR RECUPERAR47 Não é necessário pensar em possíveis crises futuras para se ter uma abordagem diversificada do uso das tecnologias na educação superior: basta fazer um exercício de realismo aplicando o princípio de que é necessário investir mais esforços nessas tecnologias, recursos didáticos e suportes que estejam ao alcance de todos para melhorar a qualidade do ensino presencial e promover metodologias híbridas, ou seja, que combinem o melhor do ensino presencial com o potencial das tecnologias como suporte para a renovação e o aperfeiçoamento pedagógico. Ao mesmo tempo, no âmbito das políticas públicas nacionais e com o apoio das indústrias e empresas de telecomunicações, deve ser promovida a inovação, aproveitando-se o potencial da digitalização para tornar realidade o princípio de uma aprendizagem ubíqua, cujas vantagens para a educação superior estão sendo objeto um grande número de estudos (Aljawarneh, 2019; Pimmer; Mateescu; Gröhbiel, 2016). Na prática, isso implica: 1. Reconhecer o potencial dos telefones celulares como ferramentas de comunicação e aprendizagem, bem como para o acompanhamento socioemocional dos estudantes. Na maioria dos países, os estudantes da educação superior têm os dispositivos, mas com configurações às vezes muito básicas e, em muitos casos, o seu uso pedagógico tem sido criticado. 2. Promover a melhoria das condições de acesso aos equipamentos e, sobretudo, pacotes de conectividade móvel que proporcionem a estudantes e professores a melhoria da capacidade tecnológica. Nesse sentido, o custo da conectividade é fundamental para se promover a aprendizagem móvel. Em alguns países, particularmente na África Ocidental, algumas empresas de telecomunicações oferecem o uso gratuito de dados para aplicativos e serviços educacionais. Em Ruanda, as duas principais empresas de telecomunicações se comprometeram a fazê-lo. Esta é uma possibilidade que os governos deveriam promover em âmbito nacional. Na América Latina, algumas universidades, por exemplo, a Universidade do Panamá, também firmaram um acordo com as operadoras de telefonia móvel para que todos os downloads feitos em seus domínios na internet não sejam contabilizados pelos planos individuais contratados pelos próprios estudantes. 3. Recuperar programas de rádio e televisão e digitalizá-los para torná-los acessíveis por meio de canais educativos e, alternativamente, também como podcasts. 4. Ampliar, por meio de tecnologias de baixo custo, a possibilidade de gravação de aulas presenciais devidamente arquivadas pelos centros de recursos ou bibliotecas das próprias IES. Há muitas lições a serem aprendidas com a experiência internacional acumulada com os MOOCs. 5. Desenvolver as qualificações dos docentes, oferecendo incentivos e apoio adequados, para que seja ampliado o uso de soluções e os recursos tecnológicos para melhorar a qualidade de seu trabalho. 6. Redefinir as modalidades contratuais dos docentes, levando em consideração as implicações do teletrabalho acadêmico e do ensino online que, sem dúvida, se tornarão parte da nova vida cotidiana das IES. 7. Promover a reflexão ética sobre a integridade acadêmica, a propriedade intelectual ou o uso de dados privados em programas virtuais.48 Referências BLACKMAN, A. et al. La política pública frente al COVID-19: recomendaciones para América Latina y el Caribe Washington, DC: Banco Interamericano de Desarrollo, 2020. 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